A greve que parou o país!

Movimento dos caminhoneiros não reconheceu acordo entre entidades sindicais e governo federal e quer medidas duradouras para problemas que afetam a categoria.

O movimento grevista dos caminhoneiros mexeu profundamente com o país nos últimos dias. Muita gente só se deu conta da importância da categoria quando faltaram itens no supermercado ou quando não havia combustível nos postos da cidade. No Brasil dos dias atuais, cerca de 50% de toda a carga disponível no mercado é transportada através das rodovias do país.

Segundo dados do Registro Nacional do Transportador Rodoviário de Cargas (RNTRC), divulgados pela Agência Nacional do Transporte Terrestre (ANTT), os caminhoneiros autônomos representam um universo de quase 700 mil trabalhadores atualmente. O transporte rodoviário no Brasil também é feito pelas empresas de transporte de carga que operam, também segundo a ANTT, com uma frota de mais de 1 milhão de veículos dirigidos por caminhoneiros contratados.

Nos últimos dias, as mobilizações da categoria demonstraram o esgotamento da paciência dos caminhoneiros com os sucessivos e abusivos aumentos no preço dos combustíveis no país. De maneira geral, a grande insatisfação é com o preço do diesel e os altos custos do transporte, sobretudo para os caminhoneiros autônomos. Na pauta, no entanto, também se inclui o fim da cobrança de pedágios sobre o eixo suspenso em rodovias estaduais pelo país, além da reivindicação por uma tabela de frete mínimo e melhores condições de trabalho.

Quando começou, no dia 21 de maio, o movimento dos caminhoneiros foi taxado por alguns setores da mídia como um locaute. A palavra deriva do termo em inglês, lock out, que é quando os patrões de um setor em específico determinam as condições de mobilização dos trabalhadores, seja impedindo-os de trabalhar, seja criando dificuldades que gerem insatisfações e, consequentemente, um estado de greve. No fundo, porém, o locaute tende a responder as demandas dos patrões e não dos trabalhadores. No Brasil, a prática é impedida pelo artigo 17 da lei 7.783 que regula o direito de greve no país.

A priori, a mobilização dos caminhoneiros foi formalmente convocada pela Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) para 21 de maio. Antes disso, no dia 15, a Confederação enviou carta ao governo federal solicitando o atendimento de demandas urgentes antes da instalação de uma mesa de negociação com as lideranças sindicais dos caminhoneiros e das empresas de transporte.

A carta consta de duas reivindicações: o congelamento do preço do diesel pelo prazo necessário para a discussão sobre benefício fiscal que reduzisse o custo do combustível para os transportadores (empresas e caminhoneiros); e fim da cobrança dos pedágios sobre eixos suspensos, que ainda está acontecendo em rodovias de caráter estadual, conforme compromisso assumido pela lei 13.103/2015, conhecida também como Lei do Motorista.

Neste documento, encaminhado pela CNTA e datada do dia 15 de maio, se fala na deflagração de uma paralisação em 21 de maio, caso não fossem atendidos os pedidos da Confederação. Também se explicita o apoio de 120 entidades representativas, mas não se esclarece se essas organizações são sindicatos patronais ou de autônomos. Após negativa do governo de atender as duas demandas urgentes encaminhadas pela CNTA, a paralisação dos caminhoneiros aconteceu no dia 21 de maio.

A percepção imediata de que a greve dos caminhoneiros era, na verdade, um locaute, foi, em grande medida, fomentada por experiências anteriores nas quais a mobilização da categoria resultou em ganhos para o patronato.

Com o passar dos dias e com o aumento da circulação de informações mais precisas sobre a mobilização, no entanto, pudemos observar que o movimento tinha características muito mais diversas. Logo no princípio, a mobilização dos caminhoneiros ganhou adesão de algumas transportadoras de cargas cujos donos prometeram não onerar os funcionários nem realizar cortes salariais ou demissões por causa da greve. Afinal de contas, a redução do preço do diesel também se colocava como uma pauta do interesse da classe patronal.

Outro aspecto importante que se desenhou com o passar dos dias foi o caráter espontâneo da mobilização dos caminhoneiros. Mesmo com a convocação da paralisação pela CNTA, antes mesmo do dia 21 já podiam ser identificados alguns pontos de bloqueios em rodovias do país e caminhoneiros paralisados. Isso significa que não necessariamente os trabalhadores aderiram à mobilização atendendo ao pedido da Confederação.

Nos primeiros dias de paralisação, também houve um rechaço por parte de sindicatos de autônomos em reconhecer a legitimidade do movimento. De um lado, muitas entidades soltaram nota dizendo que não apoiavam a greve e que ela tinha características de loucate justamente porque a pauta tinha sido capitaneada pelos setores empresariais em nome dos seus interesses. Do outro lado, sindicatos de autônomos, como o Sindicam de Santos que, no dia 23, convocou a paralisação dos caminhoneiros que trabalham na região do porto, e a Abcam (Associação Brasileira dos Caminhoneiros), que recentemente se mobilizou na negociação com o governo federal, reconheceram a legitimidade do movimento.

Os primeiros dias de mobilização resultaram numa crise imediata de abastecimento. Aproveitando-se disso, muitos postos de combustíveis elevaram de maneira criminosa o preço da gasolina e do diesel. Supermercados e comércios também especularam o preço dos alimentos e itens de primeira necessidade, elevando os preços e causando prejuízos para o consumidor.

Na noite da quinta-feira, 24 de maio, um acordo foi divulgado pelo governo federal, representado pelos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil), Eduardo Guardia (Fazenda) e Carlos Marun (Secretaria de Governo). O documento havia sido resultado da negociação entre entidades sindicais e representantes do governo e buscava colocar fim à paralisação dos caminhoneiros.

Dentre os pontos do acordo estavam: eliminação da incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre o óleo diesel até o fim do ano; garantia de periodicidade mínima de um mês até eventual reajuste do preço do óleo diesel em refinarias; redução de 10% no valor do diesel em refinarias nos próximos 30 dias, medida já executada pela Petrobras com contrapartida financeira da União; reedição da Tabela de Referência do frete remunerado de cargas, em 1º de junho de 2018, com atualização trimestral; garantir que estados assegurem isenção da tarifa de pedágio sobre eixo suspenso em caminhões sem carga; em até 15 dias, edição de medida provisória para permitir que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) contrate transporte rodoviário de cargas, sem exigência de licitação, em até 30% de sua demanda de frete; manter desoneração da folha de pagamento de empresas de transporte rodoviário de cargas; promover extinção de ações judiciais abertas pela União contra a mobilização dos caminhoneiros, dentre outros.

O documento foi assinado pela seguintes entidades: Confederação Nacional dos Transportes, Federação dos Caminhoneiros Autônomos de São Paulo (Fetrabens), Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), Federação dos Transportes Autônomos de Cargas de Minas Gerais (Fetramig), Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens do Distrito Federal (Sindicam-DF), Federação Interestadual dos Transportes Rodoviários Autônomos de Cargas e Bens da Região Nordeste (Fecone), Federação dos Transportadores Autônomos de Cargas do Espírito Santo (Fetac-ES) e Sindicato Nacional dos Cegonheiros (Sinaceg).

O acordo, no entanto, foi rechaçado pelos caminhoneiros. Dentre as críticas que chegaram ao nosso conhecimento, através de whatspp e redes sociais, os caminhoneiros autônomos se queixaram que sequer foram recebidos pelos Ministros durante a reunião na Casa Civil. Em alguns vídeos, membros da categoria se indignam com o acordo aceito pelos sindicatos e acusam lideranças de peleguismo.

Mesmo após essa primeira tentativa de acordo do governo federal, os caminhoneiros mantiveram a greve. A situação se agudizou causando problemas no abastecimento das principais cidades e na maioria dos postos de combustível. Além da paralisação, os caminhoneiros fizeram bloqueios em rodovias importantes como o Rodoanel, que contorna a capital paulista e tem saída para as principais rodovias do estado.

Um dia após a divulgação do acordo, o presidente Michel Temer anunciou que utilizaria as Forças Armadas para auxiliar a Polícia Rodoviária Federal e as Polícias Militares a liberarem as rodovias que ainda contassem com a resistência dos caminhoneiros. A decisão prevê o emprego de militares até o dia 4 de junho em situações de perturbação da ordem pública e também ações de desobstrução de vias. Dentre outras medidas, a determinação também autoriza a remoção ou condução de veículos que estiverem obstruindo a via pública; escolta de veículos que prestem serviços essenciais ou transportem produtos considerados essenciais; garantia de acesso a locais de produção ou distribuição desses produtos; medidas de proteção para infraestruturas consideradas críticas.

No sábado, dia 26, o presidente também assinou um decreto que autorizou a “requisição de bens”. O texto publicado determina que “Fica autorizada a requisição, pelas autoridades envolvidas nas ações de desobstrução de vias públicas determinadas pelo Decreto nº 9.382, de 25 de maio de 2018, dos veículos particulares necessários ao transporte rodoviário de cargas consideradas essenciais.”

Por não dar mostras de que pudesse terminar, a mobilização dos caminhoneiros suscitou a suspensão de serviços de transporte e das atividades parciais do comércio em algumas das principais cidades do país. As informações que circulam através da internet são variadas. Alguns vídeos mostram que os caminhoneiros adotaram a postura de deixar passar cargas perecíveis e itens de primeira necessidade, como medicamentos e alimentos.

Outros depoimentos e imagens, no entanto, mostram a perda da produção de leite e de carne por produtores no interior país, devido as dificuldades de distribuição e a falta de transporte. Algumas reportagens também mostraram pessoas se queixando da falta de medicamentos e itens essenciais em hospitais e pronto-socorroro.

Depois de nova reunião com entidades sindicais, realizada no domingo, 27 de maio, o presidente Michel Temer foi à público dar pronunciamento sobre a continuidade da greve dos caminhoneiros. O governo anunciou redução de R$ 0,46 no preço do litro do diesel por 60 dias, e a isenção de pagamento de pedágio para eixos suspensos de caminhões vazios.

Depois desses dois meses, os reajustes no valor do combustível serão feitos a cada 30 dias o que, segundo Temer, dará ao caminhoneiro a possibilidade de organizar melhor suas viagens tendo “previsibilidade” dos seus gastos. O corte de R$0,46 no litro do diesel foi consequência da redução da cobrança dos impostos PIS-Cofins e da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre o produto.

Após reunião realizada também no domingo com a Casa Civil, a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) divulgou nota à imprensa na qual explicita sua aceitação do acordo proposto pelo governo. Segundo a entidade, a categoria “conseguiu ser atendida em diversas reivindicações, dentre delas o subsídio, pelo Governo Federal, do valor referente ao que seria a retirada do PIS, Cofins e Cide sobre o óleo diesel.”.

Na nota, a Abcam ainda considera que o acordo assinado com o governo representa uma “vitória”, já que a proposta anterior previa redução do preço do diesel por apenas 30 dias, prazo alterado para dois meses. No documento, o presidente da entidade, José da Fonseca Lopes, se dirigiu aos caminhoneiros dizendo sentir-se “orgulhoso” pelo trabalho realizado pela categoria.

“Conseguimos parar este país e sermos reconhecidos pela sociedade brasileira e pelo Governo deste país. Nossa manifestação foi única, como nunca ocorreu na história. Seremos lembrados como aqueles que não cederam diante das negativas do Governo e da pressão dos empresários do setor. Teremos o reconhecimento da nossa profissão, de que nosso trabalho é primordial para o desenvolvimento deste país. Voltem com a sensação de missão cumprida, mas lembrando que a luta não termina aqui.”, afirmou Lopes.

Na manhã da segunda-feira, 28 de maio, no entanto, os caminhoneiros autônomos mantiveram sua paralisação. Em conversas telefônicas que pudemos estabelecer com alguns membros da categoria, muitos se recusaram a reconhecer a representatividade e legitimidade dos sindicatos que firmaram o acordo com o governo.

Além disso, os caminhoneiros se queixaram de que o acordo é vulnerável e não garante que o governo irá cumprir o prometido. Os grevistas também questionam que as medidas tomadas por Michel Temer têm “prazo de validade”, ou seja, não são permanentes e não asseguram que o preço do combustível não volte a subir.

José Maria Gumiero, caminhoneiro da cidade de Itapira, interior de São Paulo, está paralisado desde o primeiro dia de mobilização na cidade de Almirante Tamandaré, interior do Paraná. O caminhoneiro autônomo contou que a maioria dos mobilizados da região se sentiram insatisfeitos com o acordo do governo e não acreditam que ele possa garantir melhorias para a categoria.

Gumiero também destacou que a luta dos caminhoneiros não é só em prol da redução do preço do diesel, mas também da gasolina. Ele comentou que a categoria continua demandando uma tabela mínima de frete e o fim da cobrança do pedágio sob eixo suspenso.

O caminhoneiro, que está na profissão há 35 anos, contou que os grevistas têm receio de uma possível repressão ou de que o governo tome medidas para criminalizar o movimento. “Quando a gente soube que o presidente tinha convocado a Força Nacional, ficamos com receio de que ele baixasse algum decreto para nos multar ou confiscar nossos caminhões”, afirmou.

Também conversamos com Moisés Oliveira, um dos líderes do movimento grevista na região da Regis Bittencourt, em São Paulo. Segundo ele, os caminhoneiros não se sentiram contemplados pelo acordo assinado pela Abcam e por outras entidades, e consideram as medidas uma estratégia provisória do governo.

“Nós não reconhecemos esse acordo do Michel Temer porque a gente sabe que de um dia para o outro ele pode mudar os compromissos. Sabemos que nada disso garante que não haverá uma alta novamente no preço dos combustíveis.”, afirmou.

Oliveira ainda destacou que o movimento não quer redução apenas do preço do diesel, mas da gasolina e do gás de cozinha que tanto tem impactado o orçamento das famílias brasileiras. De maneira geral, o caminhoneiro reiterou que os membros da categoria demandam melhores condições de trabalho e que eles vão continuar parados até que sejam atendidas suas reivindicações.

O movimento grevista dos caminhoneiros segue, ao que tudo indica, de pé! Apesar da assinatura do acordo por parte das entidades representativas, os autônomos se recusaram a deixar as rodovias do país.

A realidade complexa e heterogênea do movimento, causou, e tem causado, uma certa dificuldade de compreensão da organização, causa e pautas que envolvem a mobilização dos caminhoneiros. Por um lado, esse movimento começou a partir de uma convocação de sindicatos para uma paralisação que buscava, sobretudo, a redução do preço do óleo diesel. Por outro lado, os caminhoneiros se mobilizaram também de maneira espontânea e levaram para as estradas diversas demandas que refletem o dia a dia da categoria.

Dentre os mobilizados, se nota a expressão de opiniões conservadoras e pedidos de intervenção militar. Sabe-se que alguns membros de partidos políticos da direita estiveram entre os paralisados e tentaram se apropriar da luta desses trabalhadores. Mas também é verdade que há grupos que rechaçam esses posicionamentos mais retrógrados e levantam outras bandeiras, como o das Diretas Já.

Em função da grande complexidade e fragilidade das lideranças sindicais de autônomos, o movimento carece de uma representatividade que possa assegurar as demandas da classe trabalhadora, bem como que possa evitar o crescimento dos discursos conservadores e das práticas autoritárias.

Também é preciso considerar que os sindicatos patronais acabam por exercer maior influência, podendo determinar, como vimos, os caminhos da negociação e o teor das reivindicações. Isso se faz notar, por exemplo, no tipo de reivindicação expressada por grande parte dos caminhoneiros que é a redução da tributação em cima do preço do combustível. Ora, todos nós sabemos que o cerne do problema dos altíssimos preços dos combustíveis no Brasil é a nova política de preços adotada pelo governo Temer e pela atual gestão da Petrobras, que atualmente é presidida por Pedro Parente.

Sobre o tema vale frisar que, desde o ano passado, a Petrobras adotou uma nova política determinando que os preços dos derivados de petróleo no país seriam reajustados de acordo com a oscilação internacional do dólar. Na época, esse tipo de política foi aplaudida pelo mercado internacional, que viu grande vantagem na venda do combustível refinado para o Brasil.

Aqui dentro, no entanto, segundo relatório da Associação de Engenheiros da Petrobras, a nova política de preços revela o entreguismo da atual presidência da empresa e governo Temer, que busca sucatear as refinarias nacionais dando prioridade para a importação do combustível. Tudo isso foi justificado na época com o argumento que era necessário ajustar as contas da Petrobras e passar confiança aos investidores internacionais. Sobre o assunto, publicamos uma entrevista com o Prof. Dr. Eduardo Costa Pinto, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

É verdade que o movimento em si tem uma percepção um pouco equivocada da principal razão do aumento dos combustíveis, mas isso não significa que toda classe dos caminhoneiros não faça essa relação clara entre o problema da política de preços da Petrobras e o aumento dos combustíveis.

De fato, portanto, o grande problema nesse momento é saber quem serão as pessoas a sentar nas mesas de negociação daqui pra frente. De um lado, existe uma legítima expressão da classe trabalhadora em defesa das suas condições de trabalho e dos seus meios de produção. O aumento do diesel representa um duro golpe entre os caminhoneiros autônomos e a mobilização da categoria é legítima e deve ser comemorada.

Larissa Jacheta Riberti para  Chico da Boleia
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