Entenda o que é o “comboio da liberdade”, ações de caminhoneiros antivacina no Canadá

Sean Purdy, canadense e professor de História da Universidade de São Paulo, explica as origens e as pretensões do movimento.

O que é o “comboio de liberdade” no Canadá?

O chamado “comboio da liberdade” caracteriza-se como um conjunto de ações – que também podem ser chamadas de comboios locais para as capitais das províncias, ou de comboio “nacional” para a capital Ottawa – de alguns caminhoneiros independentes contrários à obrigatoriedade da vacina.

Esses trabalhadores, que se recusam a tomar a vacina, são donos dos seus próprios caminhões e apoiam os bloqueios de fronteira entre o Canadá e os Estados Unidos em vários lugares, além de promoverem comícios e manifestações contra o passaporte de vacinas exigido pelos governos canadense e estadunidense.

As primeiras ações começaram no fim de janeiro de 2022 e continuam até agora, mas tem diminuído bastante na última semana. No último domingo, 13 de fevereiro, a ponte Ambassador, que liga a cidade de Detroit (no estado americano de Michigan) com a cidade de Windsor (na província canadende de Ontário), foi finalmente aberta depois da retirada dos manifestantes.

Quais são suas origens?

Em novembro de 2021, o governo dos Estados Unidos exigiu o comprovante de vacinação para todos os visitantes ao país, inclusive caminhoneiros que cruzam a fronteira a trabalho. Como resposta, o governo canadense deu dois meses (e como prazo o fim de janeiro de 2022) para todos os caminheiros se vacinarem. Cerca de 90% dos caminhoneiros que cruzam a fronteira se vacinaram com três doses. Estima-se que somente 16 mil caminhoneiros ainda não estejam vacinados.

As informações disponíveis até o momento mostram que o comboio, na verdade, não foi concebido por caminhoneiros, mas por alguns políticos de partidos e movimentos da ultradireita nas províncias no oeste do Canadá, que buscam usar a categoria a seu favor. Essas forças políticas juntaram-se com alguns caminhoneiros contra vacinação e começaram organizar os comboios e manifestações de apoio no início de janeiro de 2022. Desde o dia 29 de janeiro, quando um comboio de algumas centenas de caminhões chegou em Ottawa, há um acampamento no centro da capital.

Qual a natureza e características do movimento?

O que começou como um movimento contra o passaporte de vacinação – que várias províncias já estavam planejando revogar – se transformou num movimento contra as vacinas e todas as outras medidas sanitárias, incluindo o uso de máscaras. Esses argumentos vão contra os desejos da vasta maioria da população que, mesmo exausta com a pandemia, ainda apoia medidas sanitárias como a vacinação, distanciamento social e o uso de máscaras.

A maior organização de apoio ao comboio, a Canada Unity (União Canadense), propôs que o governo do Primeiro-Ministro, Justin Trudeau, peça demissão e que um “conselho temporário” governe o país. Vale destacar que Trudeau conta com uma ampla base de apoio, eleita nas eleições federais de setembro de 2021. Naquele momento, uma das questões centrais dos debates eleitorais foi justamente a questão do passaporte de vacinação.

Nota-se, portanto, que se consideramos o contexto político do país a proposta da Canada Unity revela-se como uma clara tentativa de golpe de Estado.

A vasta maioria dos apoiadores e participantes no comboio de liberdade não são supremacistas brancos ou racistas, mas os principais líderes, Tamara Lich, Ben Dichter e Pat King, que formam a liderança oficial do movimento e não são caminhoneiros, têm um longo histórico de políticas racistas contra imigrantes.

Em todas as ações do comboio houve militantes de grupos racistas como os Proud Boys (Garotos orgulhosos) e símbolos racistas como a suástica e a bandeira da confederação da guerra civil dos Estados Unidos. Todas as organizações da ultradireita e nazistas do Canadá de outros países têm mostrado apoio pelo comboio.

Houve ainda casos explícitos de racismo por participantes em várias cidades, além de vários presos em Ottawa. 11 militantes foram presos num bloqueio na província de Alberta no dia 15 de fevereiro de 2022, juntamente com a apreensão de dezenas de armas de alta letalidade que, segundo a polícia, os manifestantes estavam planejando usar contra a polícia.

O movimento conseguiu cerca de $15 milhões de dólares canadenses em doações online. Como muitos órgãos da mídia têm relatado, a maioria das doações provêm dos Estados Unidos e constitui grandes montantes.

Estima-se que 1% dos doadores à campanha colaboraram com 20% de todas as arrecadações e somente 10% dos doadores contribuíram com 50% do total. Isto significa que o movimento tem sido financiado por grandes empresas e pessoas ricas, tendo, entre estas, vários bilionários dos EUA que financiaram a campanha de Donald Trump em 2020.

Quem está contra o comboio de liberdade?

Aproximadamente 20% dos caminhoneiros no Canadá (chegando a 50% na província de Colômbia Britânica na costa oeste) são de origem asiática (Índia e Paquistão) e suas organizações e membros não apoiam o comboio. Aliás, eles têm levantado uma série de outras questões trabalhistas, como salários e condições de trabalho, que acham mais importantes do que a questão de passaporte de vacinação

Nenhuma organização do setor do transporte rodoviário de cargas ou da categoria apoia o comboio.

Várias pesquisas nas últimas semanas mostram que a maioria (de 60-70%) da população canadense é contra o comboio. E mesmo os que apoiam não necessariamente estão de acordo com as táticas de bloqueios e a invasão da capital.

Os bloqueios na fronteira acabaram prejudicando justamente os 90% dos caminhoneiros vacinados que estavam a trabalho entre o Canadá e os EUA. Por causa do acampamento em apoio ao comboio, todas as lojas, shoppings e restaurantes, prédios públicos, escolas e universidades no centro da cidade de Ottawa foram fechadas. A mídia relatou que até agora o comboio causou Can$ 3 bilhões em danos à economia.

Governos locais, provinciais e federal estabeleceram leis emergenciais para acabar com o comboio e com o acampamento. Essas leis são bem problemáticas porque dão aos governos poderes extraordinários e perigosos.

A isso, somam-se bloqueios populares, inclusive com a participação de caminhoneiros, sindicatos e movimentos sociais, contra o comboio em várias cidades. Essas manifestações efetivamente denunciam a farsa do “comboio de liberdade”.

Por Sean Purdy

 

 
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