Tabela de frete ainda é tema de controvérsias e pode sofrer revés

Medida desagrada alguns setores da economia, mas caminhoneiros se mobilizam para mantê-la

No dia 13 de novembro, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), protocolou uma medida cautelar para pedir urgência no julgamento das ações sobre os preços mínimos do frete rodoviário e a suspensão das multas fixadas pela Agência Nacional de Transportes terrestres (ANTT) por eventual descumprimento da tabela. O pedido foi feito junto ao Supremo Tribunal Federal.

Em nota emitida pela própria Confederação, a entidade afirma que a medida cautelar foi feita em resposta à determinação da ANTT de estabelecer multas para os embarcadores que descumprirem os valores referenciados na tabela em vigência. A justificativa da CNA é de que “a medida é inconstitucional e fere o princípio da livre concorrência”.

Na ocasião, o chefe da Assessoria Jurídica da Confederação, Rudy Maia Ferraz, alegou que “se o tabelamento foi implementado sem a participação de ninguém, ou seja, em desacordo com a legislação vigente, nós entendemos que não pode haver multa. Queremos a urgência do STF para analisar a questão porque não podemos ficar à mercê da ANTT editando resoluções”.

Em nota da assessoria de imprensa, a CNA também afirma que a medida cautelar ajuizada defende que a “ANTT não pode impor multas por eventual descumprimento de uma tabela vinculativa de preços com base em uma “legislação que não está em vigor, por ausência de regulamentação””.

Outro argumento utilizado pela entidade é o de que o tabelamento do preço do frete tem prejudicado a economia do setor. A CNA divulgou alguns relatórios que buscam comprovar que os novos valores praticados têm impactado, por exemplo, nos valores do transporte rodoviário dos principais insumos agrícola no Brasil, dentre eles, o milho e a soja. Além disso, a Confederação ainda alega que a elevação dos custos do transporte dos granéis agrícolas afetou também as exportações dos produtos. Tais estudos, podem ser encontrados no site da entidade: www.cnabrasil.org.br.

No início de dezembro, após avaliação da medida cautelar, o Ministro do STF, Luiz Fux, decidiu suspender, em medida provisória, a aplicação de multas e outras sanções em razão do descumprimento dos valores referenciados na tabela de frete por parte da ANTT. Em parecer sobre a decisão, Fux escreveu que “o quadro fático revelado aponta que a imposição de sanções derivadas do aludido tabelamento de fretes tem gerado grave impacto na economia nacional, o que se revela particularmente preocupante ante o cenário de crise econômica atravessado pelo país”.

Atendendo ao pleito da CNA, Fux determinou “que a ANTT e outros órgãos federais se abstenham de aplicar penalidades aos embarcadores, até o exame do mérito da presente Ação Direta pelo plenário”. O magistrado também analisa outras ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) sobre o caso.

Vale retomar alguns aspectos importantes sobre a chamada “tabela de frete”. A medida foi tomada após a mais recente greve dos caminhoneiros, iniciada no final de abril deste ano, e que paralisou boa parte do abastecimento do país por quase dez dias. Na ocasião, os caminhoneiros se diziam descontentes com as sucessivas elevações do preço do óleo diesel e da cobrança do pedágio sobre eixo suspensa em algumas rodovias.

O movimento, no entanto, colocou na ordem do dia a discussão sobre assuntos importantes, sobretudo para os autônomos, como os altos custos do transporte e o descumprimento do pagamento de Vale Pedágio e outros benefícios garantidos por lei. Os caminhoneiros autônomos figuram como os mais afetados pelos custos nessa área, por não contarem imediatamente com a viagem de retorno. A tabela de frete, portanto, seria uma maneira de garantir que esses trabalhadores tivessem acesso a uma remuneração mais justa.

Na ocasião, Michel Temer decretou medida provisória (832/2018) determinando a criação de uma tabela que pudesse referenciar esses valores. Convertida na lei 13.703/2018, publicada em agosto desse ano, a medida gerou a “Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas”.

A lei também resolve que a Agência Nacional dos Transportes Terrestres é a instância reguladora não só dos valores referenciados, que podem mudar de acordo com variações no preço dos combustíveis e de outros custos ligados ao transporte, como também da aplicação e cumprimento da medida.

Em novembro, a Agência publicou os valores das multas aplicadas para quem descumprisse a lei. Anteriormente, o órgão já fiscalizava o cumprimento da determinação, porém não aplicava multa porque faltava a regulamentação das punições.

Em reportagem publicada pela Agência Brasil, destaca-se que os valores são aplicados em quatro situações distintas, variando do valor mínimo de R$ 550 e podendo chegar ao máximo de R$ 10,5 mil. A empresa que contratar o serviço de transporte rodoviário de cargas abaixo do piso mínimo estabelecido pela agência reguladora terá punição específica. Neste caso, a multa será de duas vezes a diferença entre o valor pago e o piso devido, limitada ao mínimo de R$ 550,00 e ao máximo de R$ 10.500,00.

A resolução diz ainda que os responsáveis por anúncios de ofertas para contratação do transporte rodoviário de carga em valor inferior ao piso mínimo estarão sujeitos à multa de valor de R$ 4.975.

O texto afirma que os contratantes, transportadores, responsáveis por anúncios ou outros agentes do mercado que impedirem, obstruírem ou, de qualquer forma, dificultarem o acesso às informações e aos documentos solicitados pela fiscalização para verificação da regularidade do pagamento do valor de frete poderão sofrer multa de R$ 5 mil.

“A ANTT poderá utilizar-se do documento que caracteriza a operação de transporte, de documentos fiscais a ele relacionados e das informações utilizadas na geração do Código Identificador da Operação de Transporte para comprovação da infração prevista neste artigo”, diz a resolução.

No momento da publicação do documento, uma série de entidades de setores importantes da economia, como a já citada Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), e também a Confederação Nacional da Indústria, se manifestaram.

De acordo com as declarações, as multas ferem o principio da livre concorrência, amparado na lei 11.442/2007, que regulamenta as atividades do transporte rodoviário de cargas. Para os empresários e agronegócio, a tabela deve referenciar os valores, mas não os impor, já que o transporte de cargas é um dos setores mais importantes e mantem atividades de outras economias.

A medida cautelar protocolada pela CNA junto ao STF, portanto, aconteceu em meio a todo esse contexto, e a decisão de Fux de acatá-la repercutiu diretamente entre os caminhoneiros. Os membros da categoria são os principais reclamantes para o cumprimento da medida, visto que, antes da aplicação das multas por parte da ANTT, muitos embarcadores não queriam seguir os valores referenciados.

Imediatamente, alguns grupos que compõem a categoria começaram a se mobilizar, como é de costume, nas redes sociais e através do whatsapp. Caminhoneiros descontentes com a decisão de Fux chegaram a ameaçar uma paralisação para o final de novembro. Nas redes sociais, os caminhoneiros demonstraram indignação e revolta com o fim das multas.

Para Moisés de Oliveira, caminhoneiro de Salvador que costuma fazer a rota entre a capital baiana e São Paulo, a tabela com os valores mínimos para o frete não é perfeita, mas representa uma vitória para os caminhoneiros.

Em entrevista, o autônomo disse que algumas empresas têm cumprido os valores e que isso trouxe melhoras significativas. “Antes, a gente ia e voltava de São Paulo para Salvador com apenas R$10.500, com essa tabela o valor saltou para R$18.000. As pessoas acham que isso é muita coisa, mas os custos do transporte são altos.”, afirmou.

Wendell Aviz, de Belém do Pará, tem uma visão diferente. Para ele, a sistemática da tabela não é ideal, principalmente quando é aplicada em um país com grandes dimensões territoriais, como é o Brasil.

“Na minha opinião não deveria haver tabelamento de frete, entretanto, com base na desvalorização do motorista autônomo atualmente, deveriam reunir as classes com a ANTT e criar tabelas regionalizadas, levando em consideração a essencialidade e preço de cada carga. Tabelar frete não vai resolver o problema, muito pelo contrário, só vai prejudicar ainda mais os autônomos.”, ressaltou.

Para Aviz, uma solução seria possível com mecanismos que permitissem ao transportador autônomo emitir documentos fiscais. Nesse caso, ele não dependeria totalmente de um agenciador.

Desde nosso ponto de vista, a situação é um pouco mais complexa do que isso! É parte do protocolo da ANTT e de todas as instâncias públicas, realizar audiências que procurem ouvir as várias entidades e os trabalhadores, ou qualquer parte interessada nos mais diversos assuntos. No entanto, no caso dos caminhoneiros, que quase não reconhecem suas entidades, muitas vezes falta representatividade e participação.

Em geral, as entidades que participam desses debates são as patronais, que discutem os assuntos desde a perspectiva do empresariado. Por isso, também é necessário que os autônomos se aproximem, fortaleçam e disputem os sindicatos, associações e confederações que os representam, cobrando das entidades que façam a mediação em nome de seus interesses.
Seja como for, a escalada desses acontecimentos resultou no recuo por parte de Luiz Fux na suspensão das multas pelo descumprimento da tabela. Pressionado pelos caminhoneiros e pela iminência de uma nova paralisação, o Ministro do STF voltou atrás da decisão.

Mas o vai e vem em torno da tabela de frete suscita outros problemas que não são tão fáceis de se resolverem. Tarcísio de Freitas, o futuro Ministro de Infraestrutura do governo eleito, declarou recentemente que serão lançadas novas referências para compor a política de piso mínimo.

“Num primeiro momento, vamos ter um carinho com a tabela, vamos revisar a tabela, estimular que o mercado a pratique”, disse Freitas a agência de notícias Reuters. A afirmação foi feita justamente um dia após uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) suspender a aplicação de multas.

“No primeiro mês (de governo), já vamos atacar isso, conversa intensa, vamos ouvir muito e acordar compromissos”, disse Freitas, lembrando que a equipe de transição do novo governo já negocia com caminhoneiros, integrantes do agronegócio e parlamentares formas de solucionar a disputa sobre a tabela.

Segundo o futuro ministro, os novos termos da tabela devem acabar com atravessadores na negociação do frete. “Vamos atuar na melhoria das condições para o caminhoneiro. Eliminar o intermediário da operação, (o objetivo é ter) ‘link’ direto entre caminhoneiro e embarcador. O intermediário tira receita do caminhoneiro, temos que eliminar o atravessador, criar condições para negociação direta do frete”, declarou ele em reportagem do jornal Extra.

Freitas afirmou, ainda, que buscará incentivar a formação de cooperativas de transporte, para que os caminhoneiros tenham uma receita garantida. Segundo ele, com o crescimento econômico, as disputas sobre preço do frete tendem a resolvidas naturalmente.

“A partir do momento que aumentar a demanda por transporte, que a economia começar a crescer, acho que a situação financeira da categoria vai melhorando, conjugando com medidas como eliminação de atravessadores”, declarou.

Segundo Freitas, o novo governo também “vai trabalhar com Ministério de Minas e Energia e Petrobras para ter o melhor tratamento possível com o preço do combustível”. Ele não detalhou como isso será feito.

As declarações de Freitas, no entanto, podem ser só um tiro no escuro. Os números mostram que o país não tem crescido conforme as projeções dos setores mais importantes como indústria e agronegócio. Além disso, os recentes escândalos envolvendo membros do governo de transição podem minar a credibilidade de uma gestão que sequer começou.

Os números da crise econômica estão na ordem do dia. No entanto, é imprescindível que o poder público considere o direito fundamental dos caminhoneiros autônomos a terem uma remuneração justa. Para isso, é preciso manter uma legislação que não só ampare esse direito, mas que também fiscalize seu cumprimento.

No final das contas, os acontecimentos dos últimos meses do ano mostram que há uma oposição clara de interesses entre os caminhoneiros autônomos e os embarcadores, estes que, no Brasil, são principalmente os setores do agronegócio e da indústria. Esses setores, no entanto, contam com uma base de apoio significativa de parlamentares no Congresso nacional. Já os caminhoneiros, não possuem tantas vozes ativas e que os represente, de fato, dentro dos espaços legislativos.

O que se espera na resolução do empasse é que o governo atente para as demandas da classe trabalhadora. Não é justo que os caminhoneiros sejam taxados de responsáveis por possíveis aumentos no preço dos produtos em função da tabela ou de qualquer outra reivindicação que tenha sido atendida depois da greve deste ano. O mínimo que se pode esperar, é que o poder público faça a mediação desse conflito sem sobrepor nenhum interesse ao outro.

No entanto, é preciso que os caminhoneiros participem mais da discussão dos temas que são de seu interesse. Uma forma de fazer isso é frequentando os sindicatos e cobrando das entidades que os representem. Assim, os caminhoneiros poderão participar de importantes espaços de discussão de leis e temas que tocam sua atividade diretamente, e ninguém poderá dizer que eles se ausentaram dessa disputa.

Larissa Jacheta Riberti para Redação Chico da Boleia| FOTO: Divulgação / Internet

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