Tabela de frete mínimo: se correr o bicho pega e se ficar o bicho come

Mauro Roberto Schlüter

Instituída como uma das premissas para que os caminhoneiros encerrassem a paralisação, a lei e respectiva regulamentação pela ANTT da tabela de frete mínimo desagradou a boa parte dos envolvidos com operações de transporte rodoviário de cargas do país e hoje é percebida como um estorvo. Qualquer análise séria consegue chegar à conclusão de que a imposição de um tabelamento em um mercado que sempre atuou através da lei de demanda e oferta, trará modificações na forma como o setor do transporte rodoviário e cargas (TRC) funciona atualmente.

Os negócios do TRC, desde o seu surgimento enquanto atividade econômica significativa no país, sempre foi estruturada a partir das empresas que demandam os serviços e contratam as transportadoras, que por sua vez contratam os caminhoneiros autônomos com o objetivo de suprir eventual falta de capacidade de transporte. O preço estabelecido nos contratos entre transportadoras e autônomos era baseado na lei de demanda e oferta, que no princípio buscava reparar distorções entre regiões geradoras e atratoras de cargas. Ainda que este funcionamento não tenha sido plenamente justo para os autônomos (e por certo necessitava de reparações), mantinha as operações de transporte de cargas do país funcionando de forma satisfatória. A obrigatoriedade de adoção da tabela de frete mínimo não só aboliu um sistema que funcionava, como também desorganizou o setor a ponto de prejudicar os caminhoneiros, descumprindo inclusive o propósito da Lei.

A tabela de frete mínimo estabelece através de cálculos em planilha disponibilizada pela ANTT, o valor dos custos de uma viagem e até aí tudo correto. O problema surge quando a lei obriga também o pagamento da viagem de retorno do autônomo, nos casos em que não existe carga para retornar ao ponto de partida do veículo do autônomo. Para piorar o cenário, a regulamentação da lei impõe ônus e multa aos contratantes e intervenientes (agenciadores físicos e virtuais de carga), nos casos de descumprimento da tabela de frete mínimo. As multas são pesadas e podem em casos recorrentes, quebrar as transportadoras e agenciadores. A situação está de tal forma grave, que algumas empresas embarcadoras e também as transportadoras, preferem não pagar o frete de retorno. Quando a lei é ruim para os envolvidos, a tendência é a sua desobediência e já é possível perceber alguns sinais dessa ocorrência. Para piorar a cenário, constata-se que ainda não existe um detalhamento em relação às várias possibilidades de formação de redes complementares em relação ao frete de retorno e isto gera insegurança às transportadoras, agenciadoras e embarcadores em relação às penalidades de indenização e multa.

Alguns exemplos de formação de redes de negócios e operações complementares e que são adicionadas ao primeiro transporte podem até ser vantajosos em um primeiro momento, porém gera passivo de penalidades (indenização e multa). Esta semana, uma transportadora queria contratar um autônomo para a realização de uma viagem e o próprio autônomo afirmou que a transportadora não precisaria pagar o frete de retorno, pois no destino ele teria serviço para outra localidade mais próxima ao seu domicílio. Ocorre que, ainda que a operação seja factível e razoável sob o ponto de vista de custos, tanto para a transportadora quanto agenciadora e autônomo, era contrária a lei e certamente geraria passivo de penalidade. Outros exemplos estão à vista de todos e, inclusive, são objeto de reivindicação de setores da economia do país, como o agronegócio. Grandes embarcadores desse setor afirmam que a necessidade legal de pagamento do frete de retorno inviabiliza o transporte de safras inteiras. Já cheguei a ler um parecer que nem a transportadora poderia emitir um conhecimento abaixo do valor do frete mínimo, pois isto caracterizaria a prática de dumping (preço de venda abaixo do custo), em relação à tabela de frete mínimo.

O imbróglio começa a crescer na medida em que o país mostra sinais de recuperação da atividade econômica e percebe-se que a tática adotada por grandes embarcadores, transportadoras e frotistas é a aquisição de veículos próprios para dar conta dos negócios e simplesmente deixar de contratar veículos dos caminhoneiros autônomos. Vive-se uma situação surreal, onde a lei que deveria beneficiar os autônomos vai prejudicá-los no longo prazo. Cabe ressaltar um velho ditado que menciona que a diferença entre o remédio e o veneno é o tamanho da dose. Para os caminhoneiros, a situação reflete o título: se correr o bicho pega e se ficar o bicho come.

Não existe mais possibilidade de solução parcial. Ou o governo e o congresso alteram a lei, ou vai ferir de morte a categoria dos autônomos.

Mauro Roberto Schlüter é mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1999), graduado em Administração de Empresas pela Universidade Luterana do Brasil (1995). Atualmente é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie em Campinas e da FATEC de Americana. É pesquisador das áreas de Logística Empresarial, Logística de Transportes e Operações Aplicada a Logística.

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