O dote português de Tânger

Foto: Albino Castro

por Albino Castro

Metrópole mais cosmopolita e multicultural do século XX de todo o continente africano, a marroquina Tânger, que o turismo qualificado da Europa e dos Estados Unidos redescobre no início do novo milênio, mantém, altiva e orgulhosamente, os sinuosos quilômetros das imponentes muralhas erguidas pelo portugueses, entre os séculos XV e XVII, no alto de sua milenar casbah – ponto mais elevado da cidade fundada com o nome de Tingi pelos fenícios de Sidon, atual Líbano, no século IV antes de Cristo. Localidade de África mais próxima do continente europeu – separada pelo Mediterrâneo por  somente catorze quilômetros da cidade andaluza espanhola de Tarifa -, a sedutora Tânger, conquistada em 29 de agosto de 1471 pelos valorosos lusitanos que em Ceuta haviam chegado em 1415 e desembarcado, quatro dias antes, na belíssima Arzila, é hoje a segunda maior cidade do Marrocos, com mais de um milhão de habitantes, ficando atrás apenas de Casablanca. Tânger foi portuguesa até 1661, quando a Coroa de Lisboa passou-a aos ingleses, junto com a cidade indiana de Bombaim, como dote de casamento de Catarina de Bragança com Charles II. Durante o século passado, de 1923 a 1959, foi uma cidade internacional, com 60 mil habitantes, desvinculada do Marrocos, com gestão colegiada de espanhóis, franceses, ingleses e marroquinos – entre estes estavam os representantes dos cerca de 15 mil judeus que então viviam em Tânger, quase todos originários de Portugal e Espanha.

Poucos percebem que no celebrado filme Casablanca, rodado em Hollywood, em 1942, com direção de Michael Curtiz, estrelado por Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, a cidade protagonista é, na realidade, Tânger, metrópole com status internacional, e não Casablanca, à época provinciana e sob o controle da França ‘colaboracionista’ do regime de Vichy, comandado pelo Marechal Philippe Pétain, aliado da Alemanha de Adolf Hitler. Foi Tânger o refúgio norte – africano dos que escapavam do conflito da Europa durante a Segunda Guerra. Principalmente de judeus, que conseguiam fugir dos algozes nazistas, e de alguns líderes da resistência ao regime berlinense. De Tânger, com muita sorte e bastante dinheiro, como demonstrado no filme Casablanca, chegava-se de avião a Lisboa e de lá, beneficiados pela neutralidade portuguesa, muitos viajavam para Nova York e Rio de Janeiro. Nunca se soube, na verdade, porque os produtores preferiram usar Casablanca no título do filme – e não Tânger. Mesmo reconhecendo que o bar do Hotel El Minzah, inaugurado em 1928 – e ainda hoje um dos endereços elegantes tangerinos -, foi o inspirador do café americano Rick’s da obra de Michael Curtiz.

Para além das muralhas e do magnífico palácio da casbah, transformado hoje num cuidadoso museu dos 2.500 anos da história da cidade, no qual Portugal é reverenciado, como os fenícios e os romanos, Tânger herdou dos 190 anos da presença lusitana na cidade, o espírito universalista dos destemidos navegantes da Escola de Sagres, cujos braços vencedores deram, de fato, mundos novos ao mundo. A universalidade portuguesa está ainda hoje na vida cotidiana tangerina, como pude comprovar, mais uma vez, em janeiro de 2013, numa viagem de sonhos ao lado de minha esposa, Da. Andrea, e de minha sogra, Da. Laïs, a percorrer também a querida Arzila e a entrañablemente espanhola Tetuán – ambas, a exemplo de Tânger, preservam ainda hoje as centenárias muralhas lusitanas. O cosmopolitismo de Tânger deslumbrou, entre os anos 1950 e 1970, a inteira geração Beatnik de americanos, a começar por Paul Bowles, autor de O Céu que nos Protege, assim como Truman Capote, Allan Ginsberg, Jack Kerouac, William Burroughs, Gore Vidal, Tenessee Williams e ainda o francês Jean Genet, a belga Marguerite Yourcenar e o espanhol Juan Goytisolo. Tânger possui uma das melhores livrarias de língua francesa fora de Paris, a Librairie des Collones, fundada em 1949, no Boulevard Pasteur, por Éditions Gallimard. A metrópole africana fascinou também dois dos maiores mestres da pintura francesa, Eugène Delacroix (1798 – 1863) e Henri Matisse (1869 – 1954), que conseguiram captar as  mágicas cores de Tânger e enxergar, de lá, uma Europa tão próxima, porém, profundamente distante.

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