Vida de caminhoneiro: filme faz raio X das estradas brasileiras

‘Para Além da Curva da Estrada’ acompanha dia a dia dos trabalhadores que transportam cargas pelas rodovias de todo o país. Liberdade, solidão, exploração e violência são alguns dos temas do longa
Jorge ouve histórias de trabalhadores que, como ele, são apaixonados pela liberdade que as estradas trazem

“Eu sou caminheiro. Já nasci caminhoneiro porque eu não consigo ficar longe do caminhão e da estrada”, afirma Jorge Lisboa no documentário Para Além da Curva da Estrada, longa-metragem de Guilherme Azevedo que chega aos cinemas nesta quinta-feira (9). Jorge é quem conduz o espectador por mais de 25 mil quilômetros percorridos ao lado do diretor e da equipe do filme durante 50 dias. “Começamos a filmar querendo contar algumas histórias e acabou que o documentário mostra a realidade atual das estradas. As histórias contadas no filme estão sendo mostradas nos jornais e TVs diariamente”, afirma Azevedo.

Ao longo de 75 minutos, o longa-metragem pretende “desvendar a realidade das estradas brasileiras através do olhar de caminhoneiros”. A cada parada, Jorge ouve histórias de outros trabalhadores que, assim como ele, são apaixonados pela liberdade que as estradas trazem. Mas o que vem à tona não são apenas histórias de amor e de orgulho pela profissão: os caminhoneiros também dividem seus problemas, as dificuldades que têm para se manter financeiramente, a falta de segurança das estradas, os perigos que os curtos prazos impostos pelas empresas trazem às suas vidas, entre outros temas.

Jean: ‘De Vitória a São Paulo são 1000 quilômetros e eu tinha de fazer em 12 horas. Quase que eu morro’

“De Vitória a São Paulo são 1000 quilômetros e eu tinha de fazer em 12 horas. Você já entra sabendo que é carga de horário e você tem de fazer o horário deles. Não tem velocidade, não tem média… Quase que eu morro. Eu tomava uma cartela de rebite por semana. Na hora de dormir, eu não tinha sono, então eu tomava um vidro de dipirona. E você sabe que a dipirona afina o sangue. Foi afinando o sangue, deu anemia, eu não cuidei e aí veio a leucemia. Eu fiquei 40 dias no hospital, saí há duas semanas. Fiquei quatro meses em casa sem andar. Eu saio do caminhão o dia que Deus quiser”, conta Jean Penini à Jorge.

 As maiores reclamações trazidas pelos motoristas dizem respeito à qualidade das estradas, o preço do combustível e da manutenção dos veículos, custos que muitas vezes não são cobertos pelo valor dos fretes. Os agentes de carga (profissionais que intermedeiam as ofertas entre as empresas e os caminhoneiros) declaram que cada vez mais os trabalhadores têm de abandonar a profissão. “Eu fico triste porque a maioria não está mais conseguindo pagar os caminhões, está endividada com os bancos… Toda semana subindo o óleo, pedágio em estrada que não tem estrada. Isso [tudo] está acabando com o motorista. A maioria está pondo os caminhões pra vender e os que estão endividados com o banco estão sumindo pra lavoura para se esconder e poder sobreviver”, afirma a agenciadora Cristina Silva.

Apesar de todas as dificuldades, a maioria diz que não se imagina fazendo outra coisa da vida. Muitos mencionam que a paixão pelo asfalto é como um vício. Esse equilíbrio entre o prazer de estar na estrada e os problemas é o que faz Para Além da Curva da Estrada ser um interessante panorama sobre a vida desses trabalhadores que carregam em seus caminhões boa parte da riqueza do país.

A obra, porém, “escorrega” quando opta por se concentrar tanto em uma fórmula de entrevista que endurece histórias tão ricas e, principalmente, por deixar passar o discurso um tanto preconceituoso contra as populações indígenas que perderam suas terras para que as rodovias fossem construídas.

Fonte: Rede Brasil Atual

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