Mulheres são maioria entre os profissionais de enfermagem e saúde no Brasil e no combate ao coronavírus

Mulheres representam mais de 85% dos enfermeiros no Brasil. Profissionais aguardam há 20 anos pela regulamentação da jornada de trabalho. 

Neste 12 de maio é celebrado o Dia Internacional da Enfermagem. Segundo o Ministério da Saúde, a data foi criada em homenagem a Florence Nightingale, considerada uma das fundadoras da enfermagem moderna no mundo e que nasceu em 12 de maio de 1820.

No Brasil, além dessa data, entre os dias 12 e 20 de maio, comemora-se a Semana da Enfermagem, data instituída em meados dos anos 40, em homenagem a duas grandes profissionais da área: a já citada Florence Nigthingale e Ana Néri, enfermeira brasileira e voluntária na Guerra do Paraguai.

A data adquire um significado diferente num momento em que o mundo todo enfrenta a pandemia de coronavírus. Ela reforça a importância desses profissionais e, no Brasil, evidencia as necessidades ainda pendentes de valorização e regulamentação da profissão.

Todos os dias, imagens circulam pelas redes sociais e mostram a expressão de cansaço e resistência desses trabalhadores tão essenciais para o tratamento e para as medidas de prevenção à Covid-19. Mas quem são “elas” que estão na linha de frente dessa batalha?

Mulheres representam maioria dos profissionais de enfermagem no Brasil e na área da saúde

Um artigo recentemente publicado no site da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP) revelou que as mulheres são maioria entre os profissionais da saúde e no combate à pandemia da Covid-19 no Brasil.

Assinado pelas pesquisadoras Elizabeth Sousa Cagliari Hernandes e Luciana Vieira, ambas especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, o artigo “A guerra tem rosto de mulher: trabalhadoras da saúde no enfrentamento à Covid-19” explica que as “mulheres representam 65% dos mais de seis milhões de profissionais atuantes no setor público e privado de saúde”.

Os números foram obtidos através das estimativas do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), com base em dados do IBGE.

“Em nível global, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) estima que cerca de 70% das equipes de trabalho em saúde e serviço social são compostas por profissionais do sexo feminino, incluindo, além de médicas, enfermeiras, parteiras e trabalhadoras de saúde da comunidade”, escrevem as autoras.

O artigo ainda mostra que 85,2% dos profissionais de enfermagem no Brasil são mulheres. Entre os técnicos e auxiliares de enfermagem, as mulheres representam 85,3% e 85,9% dos trabalhadores, respectivamente.

Hernandes e Vieira ainda destacam que “se considerarmos as principais categorias diretamente envolvidas em ações de atendimento de saúde da população, incluindo médicos, profissionais de enfermagem (enfermeiros, técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem) e agentes comunitários de saúde, a força de trabalho feminina corresponde a 78,9% da força de trabalho total na área de saúde”.

Veja a tabela abaixo

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Por estarem à frente do combate ao coronavírus e representarem a maioria dos profissionais de saúde, as mulheres tem enfrentado mais riscos de contaminação, além dos chamados “riscos ocupacionais”, ou seja, aqueles atribuídos ao exercício da profissão.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os riscos ocupacionais podem ser: excesso de horas trabalhadas, sofrimento psíquico, fadiga, “burnout” (distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso), estigmatização e violência física e psicológica, dentre outros riscos que podem ser amplificados por questões de gênero.

As autoras destacam que ainda não há dados organizados por sexo sobre o número de contaminações e óbitos de homens e mulheres profissionais da saúde no Brasil. “No entanto, dados preliminares da Itália e da Espanha mostram que, nesses países, a maioria dos profissionais de saúde infectados pela Covid-19 são mulheres: respectivamente, 66% e 72%”, escrevem.

Hernandes e Vieira destacam que a dinâmica de gênero pode impor outras dificuldades para as profissionais da área da saúde, inclusive enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem.

Dentre essas dificuldades, as autoras elencam: “escassez de equipamentos de proteção individual (EPIs) – que pode afetar a todos indiscriminadamente – a inadequação dos EPIs existentes, que muitas vezes não têm o tamanho correto para a força de trabalho feminina e os episódios de assédio, sexual ou não, no ambiente de trabalho, que têm se multiplicado no contexto da pandemia, e tendem a afetar mais as mulheres, além da defasagem remuneratória, que também é um fator de vulnerabilidade.”

Além disso, em função da dupla jornada, no caso das mães solteiras e considerando que eventualmente essas profissionais possam conviver em ambientes domésticos de violência emocional e física, as profissionais da saúde podem estar “mais vulneráveis que seus colegas homens aos riscos de fadiga, “burnout” e sofrimento psíquico”.

“Segundo dados do IBGE, as mulheres dedicam 21,3 horas por semana com afazeres domésticos e cuidado de pessoas – quase o dobro da dedicação dos homens às mesmas tarefas (10,9 horas). No entanto, ao mesmo tempo em que as mulheres estão sendo chamadas para a linha de frente do combate à Covid-19, elas perdem importantes apoios para o cuidado dos filhos, devido ao necessário fechamento de creches e escolas e à importância de evitar o contato de crianças com avós, que fazem parte do grupo de risco. No caso das profissionais de saúde que são “mães-solo” (segundo o IBGE 26,8% das famílias brasileiras com filhos são monoparentais femininas), essa pode ser uma situação-limite. Até o momento, não temos notícia da adoção de nenhuma medida de suporte para a realidade dessas mulheres.”, escrevem as autoras.

 

‘Profissionais no mundo são aplaudidos, e no Brasil a gente apanha’

Essa frase foi dita pela enfermeira Ana Catarine Carneiro, em entrevista concedida ao G1, após ser agredida durante um ato dos profissionais de enfermagem do DF, em favor do isolamento social. A manifestação, que aconteceu no dia 01 de maio, marcou a mobilização dos trabalhadores da enfermagem e da saúde, e teve repercussão na imprensa nacional.

Ana Catarine e outros enfermeiros e enfermeiras realizaram um protesto silencioso em frente ao Palácio dos Três Poderes, em Brasília, segurando cruzes, em referência aos mortos por Covid-19 no país.

Os profissionais foram surpreendidos por um grupo pequeno de homens e mulheres que se diziam contra o isolamento social. Apoiadores do governo, eles vestiam roupas com as cores da bandeira nacional e agrediram física e verbalmente os manifestantes. As agressões foram filmadas e o episódio ganhou repercussão na internet.

Ironicamente, um dos agressores que aparece no vídeo, identificado como Renan da Silva Sena, era funcionário do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e foi substituído por outro funcionário após a divulgação das imagens.

“Ele falava muitos palavrões, me empurrou e bateu na minha cabeça”, disse Ana Caterine, que trabalha em um hospital público da capital, ao G1.

Além de Sena, Marluce Gomes, de 44 anos, também aparece no vídeo xingando os profissionais de saúde. Ambos estão sendo investigados pela Polícia Civil por determinação do Ministério Público. No dia 11 de maio, Marluce prestou depoimento na 5ª Delegacia de Polícia, da Asa Norte, em Brasília.

O Sindicato dos Enfermeiros do DF divulgou uma nota de repúdio as agressões, na qual destaca:

Hoje, no Brasil, são mais de 2,3 milhões de profissionais de Enfermagem, que estão na luta contra a Covid-19. Por isso, em respeito à vida da maioria da população e pensando na segurança dos milhares trabalhadores da saúde que superam o medo para salvar vidas, o SindEnfermeiro repudia, veementemente, as atitudes fascistas e antidemocráticas do grupo pró-governo, e ressalta a importância de a população seguir as recomendações da comunidade científica mundial de isolamento social.

 

Enfermeiras (os) esperam por regulamentação da jornada de trabalho há 20 anos

O Projeto de Lei 2295 foi desenvolvido no ano de 1999 e apresentado em 11/01/2000 pelo então senador da república Lúcio Alcântara do PSDB/CE. O texto dispõe sobre a jornada de trabalho dos enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, alterando a lei nº 7.498 de 1986 e fixando a jornada de trabalho em seis horas diárias e trinta horas semanais, no máximo.

A lei está em tramitação há 20 anos e é uma das principais reivindicações dos profissionais de enfermagem, que estão expostos a exaustivas jornadas de trabalho e a ambientes insalubres.

O limite da jornada de trabalho de 30 horas semanais é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde e da Organização Internacional do Trabalho. No Brasil, estudos indicam o aumento dos problemas de saúde entre os profissionais de enfermagem que trabalham mais horas por semana sem a regulamentação da jornada, explica Rafael Polakiewicz, doutorando em Ciências do Cuidado em Saúde.

“A enfermagem é uma das profissões de maior desgaste físico e mental da área da saúde, sendo o maior corpo profissional da área da saúde e o segundo maior entre todos as profissões, caso haja apreciação e aprovação da modificação da carga horária de trabalho, pode haver melhoria para a qualidade de vida dessa população oportunizando postos de trabalho, diminuição de doenças ocupacionais, já que é a profissão com um dos maiores números de LER/ DORT e outros transtornos como doenças psíquicas e ainda melhorar a qualidade de vida e de assistência aos usuários do serviço.”, escreve Rafael.

Larissa Jacheta Riberti para Chico da Boleia

Artigos citados:

Elizabeth Sousa Cagliari Hernandes e Luciana Vieira, “A guerra tem rosto de mulher: trabalhadoras da saúde no enfrentamento à Covid-19”. Acesse aqui

Rafael Polakiewicz. “Regulamentação para jornada de 30 horas para enfermagem: entenda o PL 2295/00”. Acesse aqui.

Imagens: anesp.org e sindenfermeiro.com.br

Ilustração em destaque: Bansky, reprodução Instagram

 
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