Mapeamento genético determina o risco de câncer em pacientes de risco

Coordenadora do Programa Integrado de Assistência, Ensino e Pesquisa em Genética e Câncer, a geneticista Patrícia Prolla fala sobre os desafios e avanços do mapeamento genético no país

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Assim como a idade, a etnia e o sexo, a hereditariedade também é um fator de risco não modificável para o surgimento do câncer.  Cerca de 10 a 15% dos tumores têm origem em uma mutação genética herdada. Pessoas que trazem essas alterações nos genes têm maior chance de desenvolver certos tipos de tumores, como os de mama, ovário, cólon, tireoide e próstata, e podem determinar esse risco através de um teste genético.

Relativamente recente, o mapeamento genético abriu a possibilidade de identificar grupos de risco, mapear genes ‘defeituosos’ e antecipar ações preventivas que inibam o desenvolvimento do tumor ou um rastreamento que permita a detecção precoce, com mais chances de cura.

No Brasil, o mapeamento genético ainda caminha a passos lentos. No entanto, algumas inciativas se destacam por tentar incorporar os testes de DNA no atendimento do SUS, como o Programa Integrado de Assistência, Ensino e Pesquisa em Genética e Câncer do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Conversamos com a geneticista Patrícia Prolla, que coordena o programa e participou do Simpósio do Instituto Lado a Lado pela Vida no Fórum TJCC, para falar um pouco sobre a importância deste tema.

 

Instituto Lado a Lado – Como funciona o Programa Integrado de Assistência, Ensino e Pesquisa em Genética e Câncer do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA)?

Patrícia Prolla – No HCPA trabalhamos em uma equipe multidisciplinar para avaliar pessoas e famílias em risco para câncer hereditário, todos usuários do SUS. Atendemos homens, mulheres e crianças, basta ser encaminhado por uma suspeita de risco genético para câncer. Muitos são pacientes que têm câncer e uma história familiar de câncer ou outra característica que sugere hereditariedade. Mas também atendemos pessoas sem câncer que têm uma preocupação em relação ao seu risco, por terem, por exemplo, uma forte história familiar. Quando identificamos uma pessoa com mutação genética estamos autorizados a chamar diretamente os familiares em risco para avaliação.

ILL – Quais os profissionais envolvidos no projeto?

Patrícia Prolla – No atendimento, trabalhamos duas médicas geneticistas, uma psicóloga e uma enfermeira. Temos na equipe profissionais em formação, estudantes de medicina e psicologia e médicos residentes que trabalham na equipe sob supervisão dos profissionais mais experientes. Também trabalhamos muito de perto com a oncologia (adulto e pediátrico), a mastologia, cirurgia pélvica e demais equipes cirúrgicas. No HCPA podemos encaminhar os pacientes da genética para avaliação com outros profissionais. Trabalhamos muito de perto com o Laboratório de Medicina Genômica, um laboratório do Serviço de Pesquisa Experimental que realiza alguns testes genéticos com recursos de verba de pesquisa. Nesse laboratório atuam cerca de 15 alunos de pós-graduação e pós doutores, além de pesquisadores do HCPA desenvolvendo pesquisa para otimizar o teste genético e entender melhor o perfil de pessoas com câncer hereditário no Brasil. Em termos de formação de recursos humanos, treinamos por ano cerca de 10 médicos residentes, um especialista em oncogenética e 8-12 alunos de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado, além de viabilizar o acesso a alunos da graduação que podem observar algumas consultas de pacientes.

ILL – Quantas pessoas o programa atende?

Patrícia Prolla – Em 2015, atendemos cerca de 1.100 pacientes, de ambulatório ou internação. A cada ano, há um crescimento médio de 15-20%. No momento estamos buscando alternativas para viabilizar a continuidade desse crescimento anual em termos de ampliação da área física e do corpo de profissionais que prestam assistência.

ILL – Quais os tipos de câncer com maior probabilidade de transmissão genética hereditária?

Patrícia Prolla – Cerca de 10-15% de todos os tumores sólidos são hereditários. Essa proporção poderá aumentar no futuro, na medida em que forem identificados fatores de risco genéticos que ainda não conhecemos hoje. Câncer de mama e câncer de cólon estão entre os casos mais frequentemente atendidos, pela alta prevalência destes tumores na população geral (cerca de 10% das mulheres terão câncer de mama e cerca de 5% das pessoas da população geral terão câncer de cólon). No Sul do Brasil melanoma também é um tumor bastante frequente.

ILL – Quais são as opções que um paciente que participa do programa tem ao descobrir o resultado positivo para uma mutação que aumenta o risco de câncer?

Patrícia Prolla – Basicamente, são três estratégias principais:

(1) maior rastreamento para câncer (exames de imagem e exame clínico com maior frequência e regularidade);

(2) cirurgias redutoras de risco que estão indicadas ou podem ser sugeridas em casos específicos e

(3) quimioprevenção com medicamentos específicos em alguns casos.

Sempre é importante avaliar o risco para outros familiares com e sem câncer, pois as opções se estendem para além da própria pessoa, beneficiando também seus familiares.

ILL – Um resultado positivo para algum tipo de mutação nos genes não significa que a pessoa desenvolverá a doença, apenas que possui maior risco. No entanto, o estigma dessa informação pode trazer implicações emocionais. Mesmo com essas implicações, as situações em que a informação realmente é útil superam os falsos alarmes?

Patrícia Prolla – Em geral, as pessoas que têm indicação para fazer o teste já têm uma percepção de maior risco, que é principalmente causada por uma história prévia importante de câncer na pessoa e na família. Um teste bem indicado raramente vai ter falsos alarmes. As pessoas que procuram a avaliação genética frequentemente percebem que há um risco aumentado e têm dúvidas quanto ao seu risco. O teste pode esclarecer essas dúvidas. Para a maioria das pessoas que têm um resultado positivo, este não é uma surpresa. O que é importante lembrar é que o teste não está indicado para todas as pessoas e que, na maioria das vezes, quem procura a avaliação genética tem uma percepção maior de risco do que de fato é seu risco real de câncer. A avaliação genética e o teste genético ajudam a definir mais claramente e de forma mais realista os riscos.

ILL – Quais as dificuldades para o acesso ao mapeamento genético no Brasil? O custo ainda é elevado?

Patrícia Prolla – O teste genético pode ser realizado de várias maneiras. Para pacientes com convênio, todas as indicações para realizar o teste, preconizadas internacionalmente, são oferecidas sem custo. Algumas vezes o paciente, no entanto, acaba pagando “uma diferença” quando na verdade é cobertura total e obrigatória. Para os pacientes do SUS não há ainda acesso (o SUS não paga o teste). Do ponto de vista técnico, vários laboratórios e instituições, inclusive algumas que atendem pacientes do SUS, já estão equipadas para a realização do teste. O exame é caro e, portanto, deve ser indicado de forma adequada, de acordo com as diretrizes vigentes. O modelo de realização do teste em centros de referência, para otimizar custos e controle de qualidade, provavelmente é mais adequado para futura implementação no SUS. A maior dificuldade no meu entender é a disponibilidade de profissionais devidamente capacitados a:

(1) reconhecer quem são os pacientes que devem fazer o teste;

(2) saber qual teste deve ser feito em qual situação

(3) interpretar o resultado do teste

(4) realizar aconselhamento genético do paciente e familiares

Temos muito poucas pessoas devidamente treinadas nesse sentido.

ILL – É possível dizer que o mapeamento genético reduziria os custos da saúde pública, uma vez que age com foco na prevenção?

Patrícia Prolla – Sem dúvida. Mas para tanto deve ser garantido o acesso dos familiares ao teste e ao aconselhamento genético.

ILL – Os profissionais de saúde estão preparados para orientar os pacientes quando há necessidade de mapeamento genético?

Patrícia Prolla – De forma geral, não. É preciso lembrar que a oncogenética é uma área nova, de menos de 25 anos e que a maioria dos profissionais de saúde nunca recebeu qualquer formação nessa área. Ademais, são poucas as universidades, ainda nos dias de hoje que oferecem amplo treinamento em genética clínica e fundamentos de medicina molecular. Por fim, a grande maioria dos programas de residência médica não disponibiliza treinamento específico na área. O treinamento no processo de aconselhamento genético faz parte apenas da formação de médicos residentes em genética clínica. Não faz parte da maioria dos programas de residência médica em mastologia, oncologia clínica/cancerologia ou cirurgia.

Entendo que a oncogenética é uma área de alta complexidade e que os médicos interessados em atuar na área deveriam fazer uma formação específica na área após a residência. A Rede Brasileira de Câncer Hereditário trabalha em uma proposta para criar uma área de atuação em oncogenética junto a AMB.

ILL – O mapeamento genético é uma arma eficaz para a prevenção. Mas ele também pode ser usado para o tratamento, para torná-lo mais personalizado?

Patrícia Prolla – Em algumas situações a identificação de uma mutação pode, sim, direcionar o tratamento para um foco específico, uma vez que já existem alguns tratamentos que somente são eficazes quando a pessoa tem uma mutação em determinado gene. Essa realidade deve ser rapidamente ampliada na próxima década.

ILL – Quais avanços no tratamento e detecção do câncer de mama o mapeamento genético proporcionou?

Patrícia Prolla – Melhor reconhecimento de pacientes de alto risco, definição de estratégias mais eficazes de redução de risco nessas pacientes, possibilidade de identificação de mutação em pessoas de alto risco antes do desenvolvimento de um tumor, viabilizando prevenção primária ou detecção precoce.

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