Eletrônica traz leveza aos pesados

PEDRO KUTNEY, AB | De Aachen (Alemanha) / Automotive Business

Bitrem de 25 metros pode ser manobrado com a ponta do dedo em um tablet

operação de manobrar carretas longas em espaços apertados traz estresse ao motorista e riscos de danos. Não mais após uma boa dose da sempre criativa engenharia automotiva alemã. Quem visitar o próximo Salão de Veículos Comerciais de Hannover (o IAA Nutzfahrzeuge), na Alemanha, poderá manobrar como se fosse um videogame um enorme conjunto biarticulado de cavalo mecânico e bitrem, de pouco mais de 25 metros de comprimento e 40 toneladas de carga. Tudo por controle remoto, ao simples toque do dedo indicador sobre um tablet. E sem emitir gases de escape, pois a manobra é impulsionada por motor elétrico acoplado à transmissão. 

A invenção é da ZF, que aplicou em um caminhão híbrido protótipo uma série de novas tecnologias que permite o atrevimento futurístico. Mais do que demonstração lúdica, a intervenção revela o alto potencial da eletrônica para tornar veículos pesados mais leves de dirigir do que um quadriciclo, além de trazer maior segurança e economia de combustível. 

A ZF mostrou seus mais novos sistemas para veículos comerciais no início de julho em um campo de provas na pequena Aachen, cidade sede do império de Carlos Magno na Idade Média, no Oeste da Alemanha, ao lado da fronteira com a Holanda, onde algumas dessas tecnologias são desenvolvidas em convênio com a universidade local, referência em engenharia da mobilidade. Trabalhando em conjunto no Innovation Truck ou em separado, os principais destaques são o câmbio automatizado modular TraXon, que funciona tanto em caminhões com propulsão diesel convencional como tem também uma versão que agrega motor elétrico para veículos híbridos; e a direção eletro-hidráulica Servotwin – esta desenvolvida pela ZF Lenksysteme, joint venture em partes iguais da ZF com a Bosch. Tudo com muita inteligência artificial. 

“A influência dos softwares deve mudar a face da indústria e seus domínios clássicos”, confirma Fredrik Staedtler, vice-presidente executivo sênior da ZF Friedrichafen AG responsável pela divisão de desenvolvimento de tecnologia para veículos comerciais. Ele destaca que os fabricantes de caminhões seguem tendências antagônicas: ao mesmo tempo em que precisam oferecer diferenciações aos clientes que incluem redução do custo de propriedade, robustez, maior eficiência energética e eletrificação do powertrain, também não podem perder de vista a economia de escala. A eletrônica usada na mecânica pesada traz à tona novas possibilidades tecnológicas para atender esses fatores competitivos. “Os fornecedores devem oferecer essa diferenciação e, ao mesmo tempo, colocar diversos fabricantes no mesmo cesto para ganhar escala de produção e reduzir os custos das novas funcionalidades”, avalia. 

INTEGRAÇÃO TECNOLÓGICA 

ZF

Graças à integração de transmissão híbrida com motor elétrico, direção eletro-hidráulica e sistema de telemática (direita), o motorista pode comandar a manobra do caminhão do lado de fora da cabine, por meio de um tablet (esquerda), onde ele vê imagens das câmeras, escolhe se quer ir para frente ou para trás e dirige a carreta com o dedo indicador na tela (no centro).

O ZF Innovation Truck, que estará exposto no IAA no fim de setembro próximo, é um exemplo de integração de tecnologias existentes que projetam o futuro. O protótipo aglutina os novos sistemas de direção assistida eletro-hidráulica Servotwin e transmissão automatizada híbrida TraXon Hybrid com motor elétrico, ambos controlados por uma central eletrônica com programa de telemática desenvolvido pela Openmatics. 

Ao trabalhar em conjunto, os sistemas abrem caminho para uma rápida evolução dos caminhões, incluindo a condução autônoma, em que o veículo poderá rodar sem a interferência do motorista. Mas essa é uma rota mais longa. Por enquanto, o que se quer mostrar são as possibilidades tecnológicas já ao alcance das mãos. “Com o nosso Innovation Truck, ilustramos o potencial adicional de tecnologias conhecidas. Idealizamos funções de assistência completamente novas que são eficientes e, ao mesmo tempo, simples de adotar”, resume Stefan Sommer, CEO da ZF. 

– Veja no vídeo abaixo como funciona a tecnologia de manobra por controle remoto:



Direção e transmissão controlados eletronicamente tornam possível o controle remoto das manobras em um tablet. O câmbio TraXon Hybrid aciona o motor elétrico de 160 cavalos. As baterias também alimentam o sistema eletro-hidráulico de direção Servotwin, que recebe comandos da central eletrônica acionada tanto pelo volante como por um tablet, do lado de fora da cabine. O motorista pode ficar ao lado do caminhão para ter melhor visão da manobra. Ele escolhe se quer manobrar para frente ou para trás e arrasta o dedo na tela do tablet no sentido que deseja movimentar o veículo. O programa calcula automaticamente o quanto o volante deve esterçar, tornando a operação uma brincadeira de criança em comparação com o esforço e atenção exigidos para estacionar um bitrem. Para parar, é só tirar o dedo da tela. E para evitar acidentes o implemento é equipado com câmeras em todas as extremidades, que mostram as imagens no tablet e acionam os freios caso qualquer obstáculo seja detectado. 

Além de tornar tudo mais simples, o sistema evita emissão de poluentes e gasto de combustível durante as manobras. No futuro, os técnicos da ZF avaliam que será possível deixar o caminhão na entrada do armazém para carga ou descarga e simplesmente acionar um programa de estacionamento automático, em que o veículo se dirige sozinho para sua doca por um caminho pré-estabelecido. 

DIREÇÃO ELETRIFICADA

Assim como já acontece nos carros, a eletrificação de sistemas também é uma tendência nos caminhões para economizar combustível. Contudo, as forças envolvidas são bem diferentes. “A direção com assistência elétrica tem bom potencial para aumentar a economia em caminhões, mas em um veículo pesado o motor elétrico de assistência precisa fazer mais força e isso requer voltagem maior, o que não é possível com baterias comuns”, explica Walter Kogel, diretor de desenvolvimento de sistemas de direção da ZF Lenksysteme. “Mas estamos evoluindo para esse caminho”, completa. 

A mais recente evolução nesse caminho foi batizada de Servotwin, a primeira direção eletroassistida do mundo para caminhões pesados. Em um veículo híbrido como o Innovation Truck da ZF, a voltagem maior não é problema, pois já existe um sistema de baterias de alta tensão. Porém, usar assistência puramente elétrica reduz mais rapidamente a carga das baterias. Com a Servotwin, que também pode ser usada com propulsão convencional, isso não acontece porque o mecanismo é eletro-hidráulico. Em vez de usar a força do motor, a bomba hidráulica de óleo é acionada por um pequeno motor elétrico que consome pouca energia. Em comparação com a assistência hidráulica pura, é possível obter redução de consumo de até 0,6 litro de diesel a cada 100 km rodados, segundo testes feitos pela ZF. 

Na prática, a direção eletroeletrônica não só deixa as manobras muito precisas e confortáveis (é possível esterçar totalmente o volante com um dedo), mas também pavimenta o caminho para a integração de modernos sistemas autônomos de assistência ao motorista. Entre eles estão funções de compensação automática de vento lateral e retomada do rumo correto quando o veículo “desgarra” acidentalmente da faixa de rodagem (Lane Keeping Assistance). No futuro próximo, de acordo com a vontade das fabricantes de caminhões, será possível agregar sistemas de direção parcialmente autônoma, para manobras ou operações de acoplamento e desacoplamento de implementos, por exemplo. Mais adiante ainda, o módulo de controle poderá ser operado por computador, para condução sem interferência do motorista.

HÍBRIDO DE LONGA DISTÂNCIA

A utilização de trem-de-força elétrico em veículos comerciais tem se limitado a furgões e caminhões leves para distribuição urbana de mercadorias, pois as baterias até o momento não têm autonomia para longas distâncias ou alimentar motores de alta potência de cavalos mecânicos que puxam mais de 40 toneladas de carga. Com seu Innovation Truck, a ZF quebra esse paradigma ao aplicar pela primeira vez a hibridização elétrica em um caminhão pesado, com um motor elétrico de 160 cavalos acoplado ao câmbio que funciona em paralelo à propulsão diesel. 

“Estudos de nossa equipe de engenharia comprovam que o uso de powertrain híbrido em caminhões pesados tem potencial considerável de economia, com redução de consumo acima de 5%”, diz Winfried Gründler, responsável pelo desenvolvimento de tecnologias de rodagem para caminhões e furgões da ZF. “É verdade que 5% é bem menos do que a economia obtida por híbridos no tráfego urbano (em torno de 20%), mas é preciso considerar que a quilometragem e o consumo dos veículos pesados são muito maiores. Por isso a tecnologia híbrida é uma solução que pode se pagar em curto período”, avalia. 

A transmissão automática acoplada ao motor elétrico TraXon Hydbrid foi desenvolvida pela ZF como um módulo, para ser instalado em caminhões pesados sem necessidade de grandes mudanças em projetos já existentes. A tração puramente elétrica é utilizada para manobras (como visto no Innovation Truck) ou em outras situações de baixa velocidade – quando o veículo passa por cidades e roda lentamente no trânsito, por exemplo. O motor elétrico também funciona como um impulsor de torque para fazer o veículo ganhar velocidade mais rapidamente – o que permite o uso de um propulsor diesel menor e mais econômico. 

O sistema recupera a energia cinética das frenagens, para recarregar as baterias, e agrega funções start-stop e coasting, que desliga o motor diesel nas paradas ou em velocidade constante. Nesta situação, as rodas em movimento se transformam em gerador. Com o caminhão em movimento ou parado, para poupar diesel a energia gerada pelo motor elétrico e armazenada nas baterias pode ser direcionada a implementos refrigerados ou equipamentos de cabine, como rádio, sistema de som, navegação e ar-condicionado. 

TRANSMISSÃO MODULAR

ZF
TraXon, a nova transmissão automatizada da ZF e seus cinco módulos diferentes: básico com embreagem simples, embreagem dupla, híbrida com motor elétrico acoplado, conversor de torque e tomada de força (PTO). Para caminhões de longo curso, a TraXon Dual faz as mudanças sem perda de rotação e aumenta a economia de combustível.

Impressiona a versatilidade da transmissão automatizada modular TraXon, uma evolução da AS Tronic com redução de ruído e dimensões. São cinco módulos diferentes para o mesmo câmbio, dependendo da aplicação. Além da opção híbrida com motor elétrico, existem quatro outras versões com para utilização em motorização diesel convencional: TraXon básica de 12 ou 16 velocidades, Dual (embreagem dupla), Torque (conversor para marchas reduzidas) e PTO (tomada de força). 

De acordo com a ZF, a TraXon básica já garante economia de 4% a 5% em relação ao câmbio manual. Para caminhões pesados de longo percurso que adotam a tendência de relações de marchas longas, para reduzir o consumo por meio da menor velocidade de rotação do motor, a ZF desenvolveu a versão Dual. É a primeira transmissão automatizada para caminhões pesados a usar embreagem dupla, que torna as mudanças de marchas muito mais rápidas e precisas. Praticamente não há “buracos” entre as trocas e o giro permanece constante. Sem perda de rotação, não é preciso acelerar para retomar o torque e a economia aumenta ainda mais, em torno de 7% na comparação com câmbio manual e de 3% a 4% em relação à TraXon básica.

No caso de aplicações de grande esforço, como mineração e construção civil, foi desenvolvida a versão TraXon Torque, com módulo entre o motor e o câmbio capaz de converter baixas rotações do motor em elevado torque para vencer aclives e terrenos irregulares. Para implementos que precisam da energia gerada pelo motor, como basculantes, lixeiros ou caminhões bombeiros, existe o módulo PTO (tomada de força) acoplado à transmissão. 

Em todas as versões, a TraXon pode ser programada com o PreVision GPS, uma plataforma que une a central eletrônica de comando da transmissão com dados de navegação por satélite. Informações sobre a rota, como subidas, descidas, curvas e limites de velocidade, são consideradas para traçar uma estratégia de trocas de marchas no percurso, para privilegiar a economia, evitando-se reduções desnecessárias, por exemplo. Dessa forma, a força bruta dos pesados está cada vez mais inteligente.

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