Com saques e roubos, dirigir caminhão na Venezuela vira uma das atividades mais perigosas

Passa da meia-noite em uma das estradas mais perigosas da América Latina e o caminhoneiro venezuelano Humberto Aguilar percorre a escuridão com 20 toneladas de legumes recém-colhidos dos Andes para serem vendidos em Caracas. Quando ele partiu, durante o pôr do sol na cidade de La Grita, no oeste da Venezuela, para sua viagem de 900 km, Aguilar sabia que sua vida estava em perigo.

Com a fome generalizada em meio a uma implosão econômica dolorosa sob o comando do presidente Nicolas Maduro, a Venezuela enfrenta um aumento assustador nos ataques em estrada, cada vez mais sem perigosas.

Poucos dias antes, Aguilar contou que entrou em desespero quando centenas de saqueadores atacaram um comboio estacionado. Eles tiraram leite, arroz e açúcar de outros caminhões, mas não levaram seus legumes. “Toda vez que eu digo adeus à minha família, confio minha vida a Deus e à Virgem”, disse o caminhoneiro de 36 anos.

Em toda a Venezuela, já foram registrados mais de 162 saques em janeiro, incluindo 42 ataques a caminhões, segundo a consultoria Oswaldo Ramirez Consultores (ORC), que acompanha a segurança rodoviária para as empresas. No mesmo mês do ano passado, foram registrados oito saques e um único roubo em um caminhão. Estima-se que 80 pessoas morreram durante os saques em janeiro.

Os ataques, em um país com uma das maiores taxas de homicídios do mundo, estão elevando os custos de transporte e dos alimentos em um ambiente já hiperinflacionado, além de sufocar a movimentação de mercadorias pelo país. Eles ainda aumentaram o perigo do trabalho dos caminhoneiros, que já enfrentavam o assédio de soldados em busca de suborno, as longas filas por combustível e o alto preço das peças de reposição dos veículos.

Funcionários do governo e representantes das forças de segurança não responderam aos pedidos de comentários.

Proibidos por lei de portar armas, os caminhoneiros andinos formam comboios para proteção, trocam mensagens sobre os pontos mais problemáticos das rotas e tentam dirigir o mais rápido que podem.

Aguilar disse que, em uma viagem, um homem colocou uma pistola em sua cabeça. Mas seu companheiro de viagem na cabine conseguiu tirar o assaltante que se pendurava ao veículo.

Nesta viagem, ele teve sorte. Pouco antes de chegar a Caracas, os agressores lançaram uma pedra em seu para-brisas, mas ele escapou.

Quando os caminhoneiros chegam às cidades, não há descanso. Gangues armadas costumam cobrar por segurança e permissão para que eles parem nos mercados. “O governo não nos dá segurança. É uma loucura. As pessoas se acostumaram com a vida fácil de roubar”, disse Javier Escalante, que tem dois caminhões que levam vegetais de La Grita para a cidade de Guatire, fora de Caracas, todas as semanas. “Mas se pararmos de trabalhar, como ganharemos a vida para sustentar nossas famílias? Como os venezuelanos comerão? E como os fazendeiros venderão a produção? Não temos escolha a não ser continuar a trabalhar”.

Os saqueadores usam várias técnicas dependendo do terreno e do alvo, segundo caminhoneiros, moradores das cidades e vídeos dos incidentes. Homens em motos, armados, cercam o caminhão, fazendo-os perder velocidade. Em outros casos, os agressores esperam que o veículo desacelere, então sobem na carroceria, cortam a lona e lançam as mercadorias no chão. Em um vídeo publicado nas redes sociais, as pessoas são vistas levando galinhas vivas de um caminhão parado.

Os saqueadores usam troncos de árvores e pedras para parar os veículos. Outra tática é usar “miguelitos” –pedaços de metal com longas pontas- – para estourar os pneus e parar os veículos. Uma estrada nos arredores da cidade de Barquisimeto, onde uma favela foi construída diante da estrada, ficou famosa entre os caminhoneiros como “Guilhotina” devido aos ataques regulares.

Em alguns casos, as multidões simplesmente cercam em caminhões durante as paradas para descanso ou reparos. Soldados ou policiais raramente ajudam, segundo os motoristas.

Yone Escalante, 43, que também leva vegetais em uma viagem de ida e volta de 2.800 km pela Venezuela, estremece quando lembra como um veículo dele foi saqueado nas planícies do Estado de Guarico no ano passado. O problema começou quando um de seus dois caminhões quebrou e umas 60 pessoas cercaram o veículo. Escalante, que estava meia hora de viagem atrás, correu para ajudar o motorista amigo. Quando chegou, a multidão aumentou para 300 e Escalante –um homem de negócios que possui caminhões e vende produtos– desceu do veículo para tentar conversar com a população.

“De repente, dois militares chegaram e pensei ‘graças a Deus, a ajuda chegou'”, disse Escalante. Mas como a multidão cantava ameaçadoramente “Comida para as pessoas!”, os soldados falaram algo sobre produtos que estavam sendo ocultados –o que não era o caso– e saíram. “Eles vieram como formigas e levaram tudo: batatas, cebolas, tomates, pepino, cenouras. Levei o dia todo para carregar o caminhão e ele foi esvaziado em 30 minutos. Quis chorar de raiva”.

Os caminhoneiros dizem que os agressores têm o cuidado de não fazer nenhum mal aos motoristas ou seus veículos, desde que eles não resistam. “A melhor proteção é ser submisso, entregar as coisas”, disse Roberto Maldonado, que lida com a papelada dos caminhoneiros em La Grita. “Quando as pessoas estão com fome, elas são perigosas”.

No entanto, todos os caminhoneiros entrevistados disseram que conheciam alguém que foi morto nas estradas –principalmente durante assaltos, e não durante os saques.

Agora que os pneus novos custam cerca de 70 milhões de bolívares –aproximadamente US$ 300 no mercado negro ou mais de duas décadas de trabalho no salário mínimo oficial– os saqueadores também os levam, além da comida.

A viagem dos Andes venezuelanos para Caracas passa por cerca de 25 postos de controle, onde os caminhoneiros precisam buscar um selo da Guarda Nacional. Em alguns casos, um suborno é necessário. E um saco de batatas é mais útil do que o dinheiro.

Yone Escalante disse que, quando foi roubado após um pneu estourar, policiais participaram do saque, levando bananas e queijo com a multidão. No último ataque, ele estava viajando lentamente ao passar sobre os buracos da estrada, como parte de um comboio com outros quatro caminhões, quando os agressores pularam e começaram a pegar produtos. “Mesmo com os buracos, aceleramos e desviamos para sacudi-los”, disse ele. “Somos nós ou eles”.

Fonte: Jornal Floripa
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