Casa-Grande & Senzala faz 80 anos

por Albino Castro

 Um dos clássicos da língua portuguesa no século XX, com a fantástica mistura, na mesma obra prima, de elementos de antropologia, etnologia, história, sociologia, economia, psicologia e, também, literatura, o monumental livro Casa-Grande & Senzala, do ensaísta pernambucano Gilberto Freyre (1900 – 1987), nascido em Recife, comemora, em 2013, os 80 anos de publicação da primeira edição, que aconteceu em 1933, quando então o autor ainda residia entre Portugal e Estados Unidos. Casa-Grande & Senzala continua atual e revolucionário como há oito décadas. Condecorado, em 1971, pela Rainha Elizabeth II, da Inglaterra, com o título de Cavaleiro do Império Britânico, Freyre, aliás Sir Gilberto Freyre, conseguiu na obra explicar a formação do povo brasileiro, nos séculos da colonização do país, a partir da convivência, nem sempre branda, porém, bastante mais ‘informal’ do que nos Estados Unidos e em países da América Latina, entre as casas-grandes, onde, para além da metáfora, viviam os portugueses e descendentes, e as senzalas, nas quais estavam os africanos escravos. Ao tomar como referência o Nordeste brasileiro, a primeira região do país a ser colonizada, impulsionada pelo ciclo da cana-de-açúcar, Freyre exalta o caráter multicultural e racial do vasto Império Português, que, ao expandir-se, aqui, nas Américas, mas também nas Áfricas e na Ásia, miscigenou povos e civilizações.

 Respeitado antropólogo brasileiro, o mineiro Darcy Ribeiro (1922 – 1997), nascido em Montes Claros, grande admirador de Freyre, comparou a obra do pernambucano, por lançar luzes sobre as origens da população nacional, aos Lusíadas, de Luis de Camões, Dom Quixote, do espanhol Miguel de Cervantes, e Guerra e Paz, do russo Leon Tolstoi. Casa-Grande & Senzala foi o primeiro dos 63 livros publicados por Freyre e até hoje é a obra considerada mais importante em todo o mundo. Em outros dois livros, O Mundo que o Português Criou (de 1940) e Um Brasileiro em Terras Portuguesas (de 1953), ambos bastante raros e sem novas edições, Freyre volta a abordar  – e exaltar – a ‘informalidade’ portuguesa nas relações com outros povos e chega mesmo a sustentar a tese, na segunda obra, que o corpo do português foi quase sempre mais do Ultramar do que da Europa. O homem português teria sido, segundo ele, mais da África ou da Ásia do que do Minho, das Beiras, Trás-os-Montes ou de uma aldeia  para onde sua velhice de rico e mesmo de nababo tantas vezes voltou já incapaz de emprenhar mulher européia ou fazer filho europeu. Com linguagem bastante arrojada, no mesmo livro, afirma o Mestre de Apipucos – referência à localidade em que morava nas proximidades de Recife: “O corpo do macho português multiplicou-se em corpos pardos, amarelos, morenos, no Oriente, nas Áfricas e na América”.

 Freyre casou-se tarde, sobretudo para a época, aos 40 anos, com a paraibana Magdalena, com quem teve dois filhos, Fernando e Sonia – e esta é a responsável, hoje, pela preservação do maravilhoso museu que tem o nome dos pais, em Santo António de Apipucos, e recebe, diariamente, turistas provenientes inclusive dos Estados Unidos, Europa e América Latina. Visitei no último dia do ano de 2007 o querido Museu Casa-Grande Magdalena Gilberto Freyre, com a minha esposa, Dona Andrea, e tivemos o privilégio de sermos recebidos pela própria Sonia que, com cuidados especiais, mostrou-nos as várias alas do solar que havia sido sede, no século XVIII, de um engenho de açúcar. Entre os objetos de estimação do escritor, para a nossa surpresa, estava uma flâmula do Sport Club do Recife, seu time de coração – e equipe da qual é adepta grande parte da comunidade lusa em Recife. Como acontece com a querida Portuguesa de Desportos, em São Paulo, o Vasco, no Rio, e a Tuna Lusa Comercial, em Belém do Pará. Também muitos portugueses, em Recife, torcem pelo Santa Cruz, entre eles, o beirão Armênio Dias, proprietário desde os anos 1950 do histórico Restaurante Leite, à Praça Joaquim Nabuco, próximo ao Rio Capibaribe. O Leite foi criado em 1882 e é o mais antigo restaurante em funcionamento do Brasil. Freyre, que se definia, politicamente, um ‘anarquista construtivo’, teve como jovens assessores, no início da década de 1960, dois queridos amigos jornalistas, Garibaldi Otávio e Glauco Carvalho Melo, meus companheiros, entre 1998 e 2001, em São Paulo, na histórica Gazeta Mercantil, que, à época, era considerada o quinto mais importante jornal de economia de todo o planeta.

 Os 80 anos de Casa-Grande & Senzala é um bom pretexto para, ao recordar a epopéia da obra de Sir Gilberto Freyre, Cavaleiro do Império Britânico, sejam exaltados os valores da miscigenação do mundo que o português criou.

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