Caminhoneiro disse que seria irresponsável se não tomasse drogas

“Irresponsável eu seria se não tomasse rebite. Tenho que dirigir às vezes 18 horas sem parar. Prefiro tomar e viver do que morrer dormindo ao volante”.

Essa declaração impressionante foi feita ao repórter do jornal Estado de Minas por um caminhoneiro de 23 anos em matéria publicada em 2012, sobre os homens-bomba nas estradas. Evidente que não significa que esse comportamento seja responsável, mas a afirmação do jovem caminhoneiro exige que a sociedade e autoridades reflitam sobre o que está acontecendo nas rodovias brasileiras com os motoristas profissionais.

Infelizmente, o quase grito de alerta desse jovem caminhoneiro, não é um caso isolado nas rodovias brasileiras.  Pesquisa realizada pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais com condutores de veículos de carga no Ceasa, em Contagem, na Grande Belo Horizonte, revelou que 50,9% dos condutores de cargas que se acidentaram fazia uso das drogas conhecidas como rebites.

Isto reforça a necessidade de combater o uso de drogas por motoristas profissionais com iniciativas preventivas, como são os exames de larga janela de detecção, o chamado exame de cabelo, que permite identificar o uso de drogas até 90 dias antes da coleta.

Em palestra proferida este ano sobre a pesquisa do Ceasa de Minas, seu coordenador,  professor e médico-perito, Leandro Duarte de Carvalho, revelou que o trabalho exigiu uma aproximação cuidadosa dos pesquisadores que ficaram praticamente três anos estudando o comportamento dos motoristas, já que havia muita desconfiança dos mesmos achando que os pesquisadores eram da polícia ou órgão equivalente.

O índice de acidentes apurado com motoristas que utilizaram drogas é ainda mais impressionante quando consideramos que praticamente um de cada dois acidentes que ocorrem nas estradas de Minas Gerais envolve caminhões.

Carreta com carga perecível

Dr. Leandro Carvalho enfatizou: “Concluímos que o problema das anfetaminas nas estradas é tão grave quanto o do álcool nas ruas da cidade. E é algo do qual o caminhoneiro dificilmente consegue escapar na situação atual, com a pressão, o prazo de entrega, os prêmios, as comissões, tudo para apressá-lo”.

Dos entrevistados que consomem anfetaminas, 86,9% afirmaram conduzir o veículo por mais de 13 horas ininterruptas, sendo que 75,8% disseram dormir menos de cinco horas diárias. A frequência de utilização da droga também é alta: 57,1% dos entrevistados afirmaram usar os estimulantes pelo menos três vezes por semana. Dentre os usuários de anfetamina 70% tem idade entre 20-46 anos e 21% de 46 a 75 anos, o que indica que são os mais jovens os principais usuários de drogas.

A situação em Minas Gerais não é diferente da encontrada em São Paulo pelas pesquisadoras Maria Masson e Valéria Monteiro, da Universidade Estadual de Campinas, no estudo de 2010 intitulado: “Estilo de vida, aspectos de saúde e trabalho de motoristas de caminhão”. Segundo as pesquisadoras, em relação ao uso de medicamentos, a maioria dos entrevistados (54,2%) fazia uso de drogas psicoativas para se manterem acordados, devido a necessidade de percorrerem longas distâncias e sofrerem pressão do tempo para a entrega de mercadorias. Sendo que 54,4% dos motoristas ingeriam até cinco comprimidos de anfetamina por viagem, usando a droga há mais de 10 anos (43,8%). Os entrevistados afirmaram dormir em média 5,3 horas na semana em que estavam trabalhando e 7,9 horas no final de semana. O foco da pesquisa foram caminhoneiros que transportam cargas perecíveis, em particular os chamados verdureiros.

Marco Túlio de Mello, Diretor do Centro Multidisciplinar em Sonolência e Acidentes (CEMSA) afirmou: “Sou totalmente favorável à realização da avaliação e dos exames toxicológicos de larga janela”.

Embora demonstre preocupação com a resistência de alguns motoristas antigos em fazerem o teste , Mello adverte: “As pessoas devem lembrar que elas possuem uma concessão do governo e não que são proprietárias da CNH.”

Considerado um dos maiores especialistas do País no estudo da relação entre fadiga e acidentes de trânsito, Mello esclarece que esse tipo de exame pode ajudar na prevenção, já que a simples abordagem com equipamentos equivalentes ao bafômetro, não resolve o problema. E acrescenta que não é a mesma coisa que fazer abordagens em áreas urbanas como já ocorre com a Lei Seca. “Em termos práticos, também é complicado. Principalmente na abordagem de carretas e ônibus no interior do país.”, ensina Mello.

E acrescenta: “Esses exames tem de ser aplicados não só na obtenção, na renovação ou mudança de categoria de habilitação. Mas também no dia a dia. Deve haver exame surpresa, se não, no período da obtenção, renovação e ou mudança de categoria o candidato faz uma parada de um bom tempo de uso e o efeito da droga se perde.”

O trabalho de Túlio Mello é anterior ao próprio Código de Trânsito Brasileiro, que entrou em vigor em 1998 e não é focado apenas nos caminhoneiros. Já em 1994, durante sua tese de doutorado, foi convidado por uma empresa de ônibus a realizar um estudo sobre o sono dos motoristas. Na ocasião ficou impressionado por observar que 16% dos motoristas de ônibus, dos 400 pesquisados, admitiram ter dormido alguma vez ao volante. Mas quando levados ao laboratório do sono, ficou comprovado que isso ocorria com 55% deles.

E diferente dos caminhoneiros que dormem em minúsculas cabines, os motoristas de ônibus dormem em condições melhores, geralmente em alojamento, ou seja, em camas, ainda que num ambiente impróprio para o repouso necessário.

Apesar da quantidade enorme de pesquisas e estudos sobre o uso de drogas por motoristas profissionais para enfrentar a jornada, e a relação com os acidentes nas estradas, pouco tem sido feito de efetivo pelas autoridades. As ações se limitam a apreensão de drogas e combate à venda de anfetaminas pelas polícias rodoviárias.

Embora a maioria dos motoristas profissionais ainda não sucumbiu às drogas, há estudos que já acenderam o alerta vermelho há mais de 10 anos. Dentre eles merece destaque a pesquisa de Wendler, Busato e Myoshi, da Universidade de Ponta Grossa, no Paraná,  publicada em 2003, intitulada: “Uso de Anfetaminas por motoristas de caminhão para reduzir o sono” . Foram entrevistados 318 caminhoneiros e apenas 3,12% afirmaram nunca ter usado nenhum tipo de medicamento para reduzir o sono e 96,88% admitiram te feito uso, pelo menos uma vez, ou utilizar rotineiramente medicamentos com a finalidade de aumentar o tempo de vigília.

A maioria dos motoristas de automóvel que circulam nas rodovias não tem ideia dessa dura realidade dos motoristas profissionais. A situação é tão absurda que nas fiscalizações é comum encontrar garrafas com urina dentro das cabines. Para evitar fazer paradas durante a viagem e assim conseguir cumprir o horário, muitos caminhoneiros utilizam recipientes descartáveis para aliviar suas necessidades com o veículo em movimento.

Fiscalização de jornada encontra urina

Durante a fiscalização de jornada de trabalho em Goiás, uma auditora fiscal tomou extenso depoimento das condições de trabalho e da jornada de um motorista. O final do depoimento, igual a tantos outros, revela o lado desumano do excesso de jornada e deve servir de reflexão para todos que circulam nas rodovias. Vejam o que declarou o caminhoneiro à fiscal:

“….que fica direto longe de casa; não vê os filhos crescerem e não tem o lazer de domingo com a família; trabalha de um jeito para acertar e ficar um pouco em casa com a família; que quando chega em casa está cansado, que com a falta de sono fica sem paciência até para conversar; que quando está para chegar em casa dorme bem antes, para não chegar estressado; a falta de sono deixa o depoente muito chato; …..  Às 15h46min eu, xxxxxxxxxxxxxx, encerrei o presente depoimento. Caldas Novas, 14/05/2014.

fonte: Estradas

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