Caminhões da Foton começam a desembarcar no Porto do Rio Grande

Patrícia Comunello

É preciso agora que os  investimentos puxem a economia, diz executivo
É preciso agora que os investimentos puxem a economia, diz executivo Foto – FREDY VIEIRA/JC

Enquanto saem milhões de toneladas de soja para a China, o país asiático retribui ao Rio Grande do Sul com caminhões. A chegada de 100 unidades de modelos leves da marca Foton no Porto do Rio Grande, neste mês, cumpre acordo que atraiu ao Estado a primeira planta da marca no Brasil, capitaneada pelo grupo nacional Foton Aumark do Brasil. O presidente do Conselho de Administração da Foton Aumark, Luiz Carlos Mendonça de Barros, ministro e presidente do Bndes no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), informa que, até o fim do ano, a importação pelo porto gaúcho somará 700 unidades, além de 100 contêineres com peças e acessórios. Barros acaba de passar o posto de principal executivo da empresa a Bernardo Ramacek, ex-Iveco e Fiat, para se dedicar a novos projetos, leia-se investimentos. A Foton tem interesse, revela, em produzir caminhões pesados e ônibus no Brasil, e o Estado deve ser a base. O empresário também avalia o humor em baixa quanto à economia, aponta erros e acertos de Dilma Rousseff (PT) e não teme que o resultado da eleição estadual possa atrapalhar a participação do Estado em parte do capital no projeto de Guaíba,

R$ 40 milhões dos R$ 250 milhões.

Jornal do Comércio – O que explica o estado de ânimo quanto à economia brasileira?

Luiz Carlos Mendonça de Barros – O Brasil vive um momento de muita angústia com o futuro, após longo período de 17 anos de crescimento, no qual o consumo de energia elétrica cresceu em média 3,7% ao ano, e saímos de uma produção anual de 1,7 milhão de automóveis para 3,4 milhões. Em 1994, na estreia do Plano Real, dois terços dos brasileiros viviam na informalidade, hoje a taxa se inverteu. Economias de mercado, depois de longo ciclo de expansão, apresentam distorções ou problemas, que é o caso brasileiro. A economia perdeu muito fôlego nos últimos dois anos, o PIB deve crescer 1% em 2014. Há ainda sentimento de desgaste do governo e falta de efetividade nas medidas, o que afetou muito o humor de setores como automóveis e até caminhões, além da menor demanda da Argentina.

JC – É possível que a inflação caia a curto prazo?

Barros – O centro da meta é referência, mas estamos acima de qualquer nível razoável de inflação. Qualquer governo que entrar terá de fazer política para trazer isso mais para baixo. O problema é que alguns preços terão de ser corrigidos. Portanto, antes de vir para baixo (inflação), vai para cima. Tem instrumentos para fazer isso, mas não vou dar a receita do bolo.

JC – Vive-se uma ressaca, e a dor de cabeça veio.

Barros – É uma ressaca clássica, não é exclusividade do Brasil. Outras economias viveram. Sabe disso quem conhece um pouco da história econômica. É preciso agora dar uma freada no consumo e ter um período em que o investimento puxará a economia. O problema é que a presidente termina o mandato com grau de credibilidade muito baixo.

JC – A conta é só de Dilma?

Barros – A presidente cometeu um erro grave no começo do mandato ao não ter entendido a ressaca e tentado retomar os mesmos instrumentos do período Lula (PT). O efeito foi mais inflação, que fez o Banco Central elevar os juros, com isso, a ressaca chegou a toda a economia. Além disso, ela tem um perfil ideológico diferente do de Lula, é muito mais ideológica sobre a presença do Estado na economia, o que assusta o empresariado. É só ver o que ela fez com a Petrobras e elétricas. O próximo presidente não terá outra saída se não continuar mantendo controle sobre o consumo para criar condições para um boom de investimento. O setor logístico talvez seja um dos poucos em que a presidente teve vitória. As privatizações vão trazer realmente melhorias nas estradas. Em dois anos, a malha será completamente diferente da atual, levando à renovação de frota.

JC – Qual é o lugar do Bndes para elevar o investimento?

Barros – O banco é um elemento importante nesse processo, mas a instituição não pode substituir o mercado. Esse foi outro erro do governo. Achar que o dinheiro do Bndes é suficiente. Não é, e deve ser complementar. Hoje não há dificuldade de oferta de crédito, o que falta é demanda. Com esse ambiente sem confiança, ninguém toma dinheiro.

JC – Mas os bancos exigem maiores taxas.

Barros – De um lado, o Bndes permite que se cobre uma taxa muito baixa, e, de outro, o BC exige alocação de capital cada vez maior para cada unidade de financiamento. O raciocínio dos bancos é: tenho pouco capital e aplico onde vou ganhar mais dinheiro. Houve claramente um exagero na liberação do Finame, que respondeu por 99% do crédito para as vendas de caminhões mais pesados, enquanto historicamente era de 40% a 45%.

JC – Como se comportará o mercado de caminhões?

Barros – A decisão de montar a fábrica da Foton em Guaíba é baseada na certeza de que essa situação transitória será vencida, e o País entrará em outra etapa de crescimento e com malha rodoviária diferente. Teremos maior frota de caminhões pesados e aumento de demanda de modelos leves, o que ocorrerá entre 2016 e 2017, quando a nossa produção chegará ao mercado.

JC – Como está a infraestrutura no Estado?

Barros – O Rio Grande do Sul deu um passo atrás com o fim dos pedágios concedidos. O problema não é construir estradas, mas fazer manutenção, o que eleva os custos dos transportadores. Como o governo federal já se rendeu às concessões de estradas, não há dúvida de que o Estado, mais cedo ou mais tarde, retomará essa política. Outro detalhe é que a Argentina está chegando ao fim de um ciclo depressivo. Como já ocorreu antes, daqui a três a quatro anos a situação estará em nível bem superior, o país retomará o crescimento e o Estado será um dos beneficiados.

JC – O modelo de fábrica de veículos lá e cá está nos planos?

Barros – Ou então importar componentes de lá, que é possível de se fazer. Mas ainda não temos definição sobre isso, pois a agenda para implantação da fábrica está muito intensa. O governo protecionista de Cristina Kirchner está com os dias contados. O ciclo lá é sempre: esquerda e direita, direita e esquerda.

JC – Como está o empreendimento em Guaíba?

Barros – Nas obras de infraestrutura, como o cercamento, pois o terreno é muito grande (100 hectares), além de cortar algumas árvores, sob supervisão da Fepam. Tem de cortar com tesoura de unha (risos). Vamos começar, no fim do mês, as primeiras construções. Por volta de março de 2016, deverá estar saindo o primeiro caminhão. A novidade é que estamos começando, neste mês, as primeiras importações de modelos de 10 toneladas da China via porto do Rio Grande. Os veículos são montados e totalmente adaptados para o mercado brasileiro. Também virão versões de 3,5 t. Depois os lotes serão mensais, que somarão 700 caminhões até o fim do ano e 100 contêineres de peças e acessórios. Antes entrava tudo pelo porto de Vitória, no Espírito Santo, e agora será tudo por Rio Grande, seguindo protocolo firmado com o Estado. O centro de distribuição fica em Jundiaí, em São Paulo, mas certamente teremos um próximo à fábrica.

JC – Haverá mais investimentos no Brasil?

Barros – A Foton é uma empresa muito grande e tem outros projetos para o Brasil. Estou conduzindo isso, mas não posso falar. São novas áreas de investimentos, querem trazer caminhão pesado e talvez ônibus. A ideia é fazer tudo no Rio Grande do Sul. Eles querem ser um player forte no Brasil.

JC – Como está a participação do Estado no investimento?

Barros – Estamos discutindo com o Badesul, e o Bndes está orientando. O mais difícil é estabelecer o que representará o aporte de R$ 40 milhões no capital acionário. O dinheiro está previsto para entrar no fluxo de caixa em 2015, mas queremos resolver em até dois meses. Acho que a eleição não atrapalhará, pois o projeto foi aprovado com unanimidade na Assembleia Legislativa. O diretor de assuntos institucionais da Foton Aumark, o nosso gaúcho Luiz Carlos Paraguassu, diz que unanimidade no Rio Grande do Sul é muito rara, por isso, difícil de mudar. O interesse é do Estado e há novas perspectivas de investimento. Se ficar para depois de outubro, não tem problema. Está no prazo.

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